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Historia Yahudim no Brasil
Historia Yahudim no Brasil

História dos Yahudim (Judeus) No Brasil

 

A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, atrás da Argentina e à frente do México, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população.

Os judeus se concentram sobretudo nas regiões sul e sudeste. As duas mais importantes comunidades do Brasil, confirmadas pelos dados do Censo do IBGE de 2010, estão nas cidades de São Paulo, com 44 mil pessoas, e Rio de Janeiro, com 22 mil. Na região Sul, a cidade de Porto Alegre entra neste século sem perder a vitalidade de suas instituições, uma comunidade de 7.000 judeus. A região Norte merece destaque por sua longevidade. A comunidade de Manaus tem 1.200 membros, e a mais antiga comunidade judaica do Brasil, em Belém do Pará, tem 1.300 membros. No Nordeste, a comunidade do Recife conta com 1.300 membros. Veja mais abaixo verbetes especiais sobre as comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus.

INTRODUÇÃO

A história judaica no Brasil pode ser estudada por meio de quatro marcos distintos:

1) a presença de cristãos-novos e a ação da Inquisição durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822); 
2) a formação de uma comunidade judaica em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, no século 17, durante o período de invasão e domínio holandês, que propiciou liberdade religiosa para os judeus; 
3) o período moderno (1822-1889), no qual houve uma abertura para a aceitação de outras religiões e começou uma esparsa imigração em várias cidades. A primeira comunidade judaica no período moderno formou-se em Belém. Outra, posteriormente, no Rio de Janeiro; 
4) o período contemporâneo (em 1889, o Brasil adotou uma Constituição que garantia a liberdade de religião), quando se formaram comunidades em colônias agrícolas no Rio Grande do Sul (principalmente a partir da primeira década do século 20), e comunidades organizadas em algumas das principais cidades do Brasil (a partir da Primeira Guerra Mundial). 

No período colonial (1500-1822), milhares de portugueses cristãos-novos vieram ao Brasil, mas não constituíram comunidades judaicas organizadas.

Até a proclamação da independência, em 1822, o catolicismo era a religião oficial e não havia liberdade para a prática de outras religiões. Os cristãos-novos participaram da vida colonial, social, cultural e economicamente, com destaque para os engenhos de açúcar na Bahia, Paraíba e Pernambuco. Sua ascensão social e econômica enfrentava restrições. Não podiam pertencer às Irmandades de Misericórdia e às Câmaras Municipais, nem casar com “cristãos-velhos”, por causa dos estatutos de “pureza de sangue”. 

Durante a maior parte do período colonial, esteve ativo no Brasil o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estabelecido em Portugal em 1536 e que funcionou na Metrópole até 1821. A conversão dos povos não católicos nas Américas (como as culturas indígenas e pré-colombianas) era uma ação central no processo de expansão dos impérios português e espanhol. A Inquisição enviou Visitações a partir de 1591 e delegou poder aos bispos locais. As mais conhecidas foram as Visitações de 1591-93, na Bahia; 1593-95, em Pernambuco; 1618, na Bahia; em torno de 1627, no Sudeste; e as de 1763 e 1769, no Grão-Pará, norte do país. No século 18, a Inquisição também esteve ativa na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1773, durante o governo do Marquês de Pombal, a diferenciação entre novos e velhos cristãos foi abolida, e a Inquisição deixou de atuar. Apesar de sua ação, uma significativa porosidade social permitiu aos cristãos-novos formas de ascensão social e econômica e estratégias de perpetuar a identidade. 

Segundo Wiznitzer, nos dois séculos e meio de ação da Inquisição no Brasil, cerca de 25 mil pessoas foram processadas por variadas acusações, e 1.500 foram condenadas à morte. Cerca de 400 pessoas acusadas de “práticas judaizantes” foram processadas, a maioria condenada à prisão e 18 à morte, em Lisboa. Três escritores cristãos-novos se destacaram no período colonial com uma obra que revela elementos de expressão judaica: Bento Teixeira, com a Prosopopéia; Ambrósio Fernandes Brandão, autor de Diálogos das Grandezas do Brasil (ambos do séc. 16); e o teatrólogo Antônio José da Silva, “o Judeu”, que viveu parte da vida em Portugal, parte no Brasil, tornou-se um dos mais conhecidos autores de teatro e foi condenado à morte pela Inquisição, em 1739. O antissemitismo da Inquisição permaneceu no imaginário do país, embora sem ligação objetiva com a história moderna e contemporânea das comunidades judaicas que começaram a se estabelecer no Brasil a partir do século 19 e, principalmente, no
Século 20. 

A primeira comunidade judaica organizada foi formada em Recife, Pernambuco, na região Nordeste do território, entre 1630 e 1654, durante o período de ocupação colonial holandesa, que permitiu a liberdade de religião e defendeu legalmente judeus e cristãos-novos das restrições impostas por Portugal. Segundo Wiznitzer, o número de judeus teria chegado, em 1644, a 1.450. Em 1636, os judeus fundaram em Recife a primeira sinagoga em solo brasileiro (e em todas as Américas): Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel). Com a expulsão dos holandeses em 1654, encerrou-se este capítulo da história judaica no país. 

Após a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião de Estado, mas proclamou a tolerância com relação a outras religiões e cultos realizados em espaços privados. Algumas dezenas de judeus vieram ao Brasil neste período. D. Pedro II, que assumiu o trono em 1832, era interessado por judaísmo, foi um hebraísta, mantendo correspondências com ilustres judeus de sua época e tendo visitado a Terra Santa em uma de suas viagens internacionais. 

A segunda comunidade judaica organizada no país foi fundada em Belém, a partir da imigração de judeus do Marrocos. Atraídos pela riqueza da borracha, estabeleceram a sinagoga Shaar Hashamain em torno de 1824. Em 1842, foi fundado um cemitério judaico em Belém. Um novo ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20, atraiu mais imigrantes e formou núcleos judaicos em diversas localidades da Amazônia, como Itacoatiara, Cametá, Paratintins, Óbidos, Santarém, Humaitá e outras. Imigrantes judeus chegaram também a cidades como o Rio de Janeiro, onde fundaram, em 1840-50, a União Shel Guemilut Hassadim e, em 1867, a Alliance Israélite Universelle. Também para São Paulo houve um pequeno afluxo de imigrantes
originários da Alsácia-Lorena. 

A Constituição Republicana de 1891 garantiu a separação entre Estado e Igreja e proclamou a liberdade de religião, introduzindo o casamento civil e os cemitérios laicos. A primeira imigração organizada no século 20 se deu no Rio Grande do Sul. Através da Jewish Colonization Association (JCA) e de acordos com o governo do Estado, centenas de imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias que foram instaladas na Argentina, a partir de 1893. A primeira colônia, de 4.472 hectares, se estabeleceu em Philippson, na região de Santa Maria, em 1904, com 37 famílias originárias da Bessarábia. 

A partir dos anos da Primeira Guerra Mundial e até os anos 1920-30, imigrantes judeus da Europa Oriental e Ocidental e do Oriente Médio formaram comunidades estruturadas nas principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Pequenos núcleos formaram-se em dezenas de cidades do interior, acompanhando principalmente os ciclos econômicos. Em muitos locais, tiveram o apoio de entidades internacionais, principalmente JCA, Joint, Emigdirect e Hias. 

Na época da Primeira Guerra Mundial, a população judaica do país atingiu entre cinco e sete mil pessoas. Nas décadas de 1920 e 1930, imigraram ao país cerca de 30 mil judeus, chegando seu número a cerca de 56 mil nos anos 1930. De acordo com estatísticas oficiais, a população judaica por Estado era a seguinte, para os anos 1900, 1940 e 1950: São Paulo (226; 20.379; 26.443), Rio de Janeiro (25; 22.393, 33.270), Rio Grande do Sul (54, 6.619, 8.048), Bahia (17, 955, 1.076), Paraná (17, 1.033, 1.340) e Minas Gerais (37, 1.431, 1.528). Em Pernambuco, em 1920 havia cerca de 150 famílias. 

Desde o final do século 19, e em especial após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil tornara-se um “país de imigrantes”, em um ambiente de tolerância religiosa, intensa permeabilidade social e cultural e oportunidades de ascensão econômica, que não foi bloqueada por manifestações de preconceito e racismo. Desde os anos 1880 e até os anos 1940, o Brasil recebeu cerca de quatro milhões de imigrantes (dos quais 65 mil judeus, até 1942). 

Estes imigrantes, com sua cultura e seu dinamismo social e econômico, participaram do desenvolvimento do país. Além da liberdade religiosa oficial, a legislação brasileira era tolerante com imigrantes europeus, e havia brechas que permitiam a entrada de mais imigrantes, apesar da burocracia legal e da necessidade de “cartas de chamada”. A partir dos anos 1920, o Brasil tornara-se um destino desejável e viável, dadas as restrições e quotas impostas pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Na década de 1920, mais de 10% dos judeus que emigraram da Europa escolheram o Brasil como destino e, entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus. 

A organização comunitária foi outro fator decisivo para uma inserção bem sucedida. Nos núcleos urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Santos havia organizações assistenciais, sinagoga, escola, cemitério, entidades cultuais e recreativas, movimentos políticos e imprensa. Em 1929, existiam 25 escolas judaicas no país. Em São Paulo, por exemplo, nos anos 1920 a 1930 havia seis diferentes entidades assistenciais na comunidade que ofereciam todo o apoio necessário aos imigrantes, desde a chegada no porto, assistência a mulheres grávidas, até mesmo um aporte capital para começar um trabalho, em geral mascatear mercadorias. 

A vida comunitária se desenvolvia também em torno da sinagoga, dos clubes sociais, esportivos e culturais, de movimentos políticos e uma imprensa ativa. Muitos imigrantes judeus urbanos trabalharam como mascates, mas também como artesãos e comerciantes; outros se tornaram industriais em ramos como o têxtil e o de móveis. Mais tarde, a partir dos anos 1960, uma significativa parcela passou a exercer atividades de profissionais liberais, como médicos, administradores, engenheiros, professores universitários, jornalistas, editores, psicólogos e demais profissões. 

No Brasil, as mulheres têm sido muito ativas na comunidade, em instituições como a Wizo e a Naamat Pioneiras, fundando e dirigindo entidades assistenciais, que protegiam as mulheres e as crianças, e também como voluntárias na área assistencial, como no caso do Departamento de Voluntárias do Hospital Israelita Albert Einstein. 

As comunidades mantinham intensa atividade política, com movimentos de esquerda e partidos sionistas, e diversas combinações entre eles. O 1° Congresso Sionista no Brasil deu-se em 1922, reunindo quatro movimentos: Ahavat Sion (São Paulo), Tiferet Sion (Rio de Janeiro, de 1919), Shalom Sion (Curitiba) e Ahavat Sion (Pará), que fundaram a Federação Sionista do Brasil. Um ano antes, em 1921, um delegado brasileiro participou do 12° Congresso Sionista, em Karlbad. Em 1929, uma eleição para escolher o delegado brasileiro ao 16° Congresso Sionista contou com dois candidatos que tiveram, na soma, 1.260 votos, e em 1934, para o
18° Congresso, o total de votos foi de 2.647 votos. 

Os movimentos de esquerda também foram significativos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O denso movimento dos judeus de esquerda no Rio de Janeiro se aglutinou em torno da Biblioteca Scholem Aleichem, da Brazkcor, Sociedade Brasileira Pró-Colonização Judaica na União Soviética, e do Centro Operário Morris Vinchevsky. Em São Paulo, havia os grupos Cultura e Progresso e, já em 1954, o Instituto Cultural israelita Brasileiro (Icib), a Casa do Povo, de tendência comunista, junto ao Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib). A língua e a cultura idiche foram um aglutinador importante destes Movimentos. 

O primeiro jornal judaico editado em idiche no Brazil foi Di Menscheit, em 1915 em Porto Alegre, e as comunidades nas várias cidades mantiveram uma intensa atividade de imprensa, de teatro e cultural em geral. Em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro os judeus se concentraram em bairros definidos: Bom Retiro, Bonfim e Praça Onze, respectivamente, que tem seus cronistas e escritores, como Eliezer Levin, Samuel Malamud e Moacyr Scliar (este
último a mais importante expressão literária judaica no país). 

Nos anos 1920 e 1930, vivendo concentrados em alguns poucos núcleos urbanos e com uma atividade econômica, social e cultural pública, os judeus se tornaram um dos grupos de imigrantes “mais visíveis”, segundo a expressão do historiador Jeff H. Lesser e, assim, passaram a ser parte do jogo e do interesse político local, nacional e internacional, com o surgimento de estereótipos e manipulação política, especialmente durante o regime Vargas (1930-1945), quando se criou no país uma “questão judaica”, envolvendo interesses políticos, restrições e leis que proibiram formalmente a imigração judaica ao Brasil, com as circulares secretas do Itamaraty, restringindo a entrada de refugiados judeus mesmo durante a guerra. O golpe do Estado Novo, em 1937, foi dado por Vargas com o pretexto forjado de que um plano de revolução comunista estava em marcha, o “Plano Cohen”, com evidente ressonância judaica. 

Apesar disso, a imigração judaica continuou, principalmente através de negociações caso a caso, mas não de forma organizada por meio de entidades assistenciais. Cerca de 17.500 judeus entraram no país entre 1933 e 1939, mas muitos refugiados da Europa ocupada pela Alemanha nazista tiveram o visto negado e tiveram como destino o extermínio no Holocausto. Nesse período, houve diplomatas que salvaram judeus, como o embaixador Souza Dantas. 

Durante os anos do Estado-Novo (1937) e da Segunda Guerra Mundial, um clima geral de xenofobia estava presente em círculos do governo e em setores de suas elites políticas e intelectuais. O ensino de línguas estrangeiras e a publicação de jornais em línguas estrangeiras foi banido, e as organizações de imigrantes tiveram que “nacionalizar” seus nomes e eleger diretorias com brasileiros natos. Como regra, estas foram restrições impostas a todos os grupos imigrantes. Não obstante a ditadura e o clima nacionalista xenófobo, as organizações judaicas adequaram-se à legislação e souberam enfrentar as restrições sem deixar de funcionar. As escolas continuaram a ensinar hebraico e cultura judaica, as sinagogas mantiveram seus cultos, programas de rádio tocavam músicas judaicas e inúmeras organizações foram fundadas neste período. O antissemitismo não significou ações públicas contra os judeus dentro do Brasil e os
Que conseguiram imigrar. 

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as comunidades participaram das campanhas em prol do esforço de guerra do Brasil, que rompeu relações com o Eixo em agosto de 1942, seguindo uma política de alinhamento com os Estados Unidos e com os Aliados. A comunidade judaica do Brasil doou cinco aviões para a recém criada Aviação Militar do Brasil, em 1942, e criou vários comitês para auxiliar os refugiados de guerra na Europa, alguns ligados à Cruz Vermelha. Também durante a guerra, várias campanhas foram realizadas em prol dos refugiados na Europa. Em julho de 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com mais de 30 mil homens. Havia 42 judeus na FEB, entre eles o artista plástico Carlos Scliar, que publicou depois um Álbum de Guerra e Boris Schnaiderman, que publicou Guerra em Surdina, romance testemunhal da FEB. 

Entre 1933 e 1938, esteve ativo no Brasil o movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Mimetizando o fascismo, o Integralismo tinha uma plataforma antissemita. Gustavo Barroso, o chefe das milícias, era o principal pregador antissemita. Traduziu “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e fez várias versões adaptadas ao Brasil, entre elas “A Sinagoga Paulista”, “Brasil, colônia de banqueiros” e “História secreta do Brasil”. No principal jornal integralista, Barroso, também membro da Academia Brasileira de Letras, mantinha a coluna “Judaísmo internacional”. No entanto, não há registros documentados de ações e violência aberta contra as comunidades judaicas. Em Curitiba, Baruch Schulman escreveu, em 1937, Em Legítima Defesa, uma publicação em defesa dos judeus. Em Belo Horizonte, Isaías Golgher criou um Comitê Anti-Integralista. Um grupo de intelectuais brasileiros, apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA) e pela companhia Klabin, publicou em 1933 um livro em defesa dos judeus chamado Por que ser antissemita?Um inquérito entre intelectuais brasileiros. 

Em São Paulo, em 1946, foi fundada Federação Israelita do Estado de São Paulo, de linha sionista, para organizar a imigração do pós-guerra dos judeus refugiados na Europa para o Brasil. O movimento sionista, que havia sido inativo durante aqueles anos, ressurgiu e passou a ter atuação pública. A militância judaica de esquerda também voltou a ser muito ativa, inclusive nas fileiras do Partido Comunista. Em 1948, foi fundada a Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do Brasil – depois Confederação Israelita do Brasil (Conib). 

O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembléia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.

O texto acima é do historiador Roney Cytrynowicz.

Bibliografia básica: 

- Calaça, Carlos Eduardo e Maio, Marcos Chor. “Cristãos Novos e Judeus: Um Balanço da Bibliografia sobre o Antissemitismo no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n° 49, 1° semestre de 2000, pp. 15-50 
- Cytrynowicz, Roney. Verbete “Brazil”. Encylopaedia Judaica, Gale/Keter Publishing House, 2006. 
- Falbel, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo, Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984 
- Lesser, Jeffrey H. Welcoming the Undiserables: Brazil and the Jewish Question. University of California Press, 1995 
-Lesser, Jeffrey H. Pawns of the Powerfull. Jewish Immigration to Brazil 1904-1945. Tese (PhD em História). New York University, 1989 
-Maio, Marcos Chor. “Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30”. In: Pandolfi, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 239 e 239 
-Malamud, Samuel. Documentário. Contribuição judaica à memória da comunidade judaica brasileira. São Paulo, Imago, 1992 
-Milgram, Avraham. Os judeus do Vaticano. A tentativa de salvação de católicos – não-arianos – da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942) 
-Rattner, Henrique. Tradição e Ruptura (A comunidade judaica em São Paulo). São Paulo, Ática, 1977
- Wiznitzer, Arnold. Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, Edusp/Pioneira, 1960
 

A IMIGRAÇÃO JUDAICA NO BRASIL

A comunidade judaica tal qual a conhecemos hoje é fruto da imigração que se iniciou no século 19 e se intensificou no século 20, atingindo o seu auge entre os anos 1926 e 1942 quando mais de 50 mil judeus entraram no Brasil. No entanto, é possível identificar a presença judaica no Brasil desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral, em 1500, nas quais já figuravam cristãos-novos. Este tema será desenvolvido no capítulo 4.

No século 19, judeus do Marrocos chegaram à Amazônia e se instalam em Belém, cidade portuária, Manaus e nas cidades dos afluentes do rio Amazonas. Para a então capital do Império e, após 1822, da Republica, o Rio de Janeiro, vieram os judeus da Alsácia – Lorena, asquenazitas, e também alguns sefaraditas. Já no século 20, nas cidades de Recife e Salvador, na região Nordeste, formaram-se comunidades asquenazitas, com judeus oriundos da Europa Oriental.

No Sul, seja nas colônias do Barão Hirsch, em Porto Alegre e em Curitiba, e também nas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, se estabelecem comunidades asquenazitas com judeus vindos da Rússia, Bessarábia e Polônia.

A imigração sefaradita se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano. Aportaram por aqui os chamados “turcos”, entre eles os judeus, que se instalaram principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1930, foram os alemães que vieram, principalmente para Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em finais dos anos 1950, chegaram os húngaros e os egípcios, que se instalaram sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. Já nos anos 1970, uma leva de judeus libaneses veio principalmente de São Paulo, então centro econômico incontestável do país.

O Brasil atrai no século 21 judeus oriundos da América Latina, que deixam seus países em momentos de crise política ou econômica.
 

Características da imigração contemporânea

a) Asquenazitas e Sefaraditas

Não há um consenso sobre qual comunidade é maior:  asquenazitas ou sefaraditas. Do ponto de vista étnico-cultural, os judeus da Amazônia – sefaraditas - mantiveram sua identidade, devido principalmente ao seu isolamento geográfico. Isso, no entanto, vem mudando nas últimas décadas, com a chegada da ortodoxia asquenazita na região. No Sul, em Porto Alegre, a cultura asquenazita - tradicional ou liberal - sempre foi predominante, com presença minoritária sefaradita. A cultura asquenazita foi e é predominante também em outras capitais.

Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, que atraíram o maior número de imigrantes e concentram as duas maiores comunidades do Brasil, talvez seja diferente. Sempre houve um equilíbrio numérico entre asquenazitas e sefaraditas. Por décadas, os dois grupos não se “misturavam”, e casamentos exogâmicos entre “gringos” e “turcos” eram malvistos, desestimulados, proibidos.  Passadas duas, três, quatro gerações, essas diferenças quase desapareceram, mas ainda não podemos dizer que a fronteira entre asquenazitas e sefaraditas deixou de existir.

b) Iidichistas e Sionistas

Para um grande número de imigrantes judeus, era imprescindível se reunir para além dos marcos nacional e regional: a participação nos grandes temas da política judaica era fundamental. Assim, surgiram organizações idichistas de esquerda em contraponto aos judeus sionistas. Entre as primeiras, destacamos a mais antiga delas, fundada no Rio de Janeiro: a Biblioteca Israelita Brasileira Scholem Aleichem que depois se tornou Associação Scholem Aleichem, ativa até hoje.  

Em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Instituto Cultural Israelita Brasileira – A Casa do Povo, abrigou o Teatro de Arte Israelita Brasileiro – TAIB, o Colégio Scholem Aleichem, o clubinho I.L. Peretz, dois corais, um em iídiche, outro em português, a administração da colônia de férias Kinderland, e a edição do jornal “Nossa Voz”. Seu auge foi nos anos 1960-1970, com uma retomada na década de 2010.

Em Porto Alegre o Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, estabelecido em 1985 e herdeiro do iidichismo, é muito ativo e uma importante referência cultural na cidade, mantendo um Departamento de Memória com publicações, biblioteca e um bem-organizado arquivo da imigração no Estado.

Os sionistas criaram em 1913, no Rio de Janeiro, a associação Tiferet Tzion e, nos anos seguintes, outras entidades em capitais como São Paulo, Belém do Pará e Curitiba. Em 1916, David José Perez fundou na então capital federal o jornal sionista A Columna. Em 1921, o movimento foi representado pela primeira vez em um Congresso Sionista Mundial.  Em novembro de 1922, na 1ª Conferência Territorial Sionista, realizada no Rio de Janeiro, foram propostas resoluções como a implantação de uma educação moderna nacional-hebraica e a criação de escolas judaicas no Brasil.

No final dos anos 1920, as instituições judaicas do Rio de Janeiros e São Paulo, assim como as de outros estados, já estavam se consolidando, e iidichistas e sionistas disputavam as diretorias das principais entidades comunitárias.

Em 1938, durante o Estado Novo (1937-45), período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, os sionistas foram proibidos de exercer suas atividades. Conseguiram, no entanto, prosseguir seu trabalho por meio de diferentes estratégias, não havendo assim, perseguição contra o movimento.

As divergências entre os iidichistas e sionistas se dissiparam com a criação do Estado de Israel, fato que representou um marco na história da comunidade judaica brasileira. A partir de então, a identidade comunitária é fortemente clivada pela questão do engajamento político e afirmação de lealdade ao Estado de Israel.

c) As Colônias do Barão Hirsch e Porto Alegre

As primeiras comunidades judaicas instaladas de forma organizada com recursos europeus no Brasil formaram-se no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século 20, por intermédio da Jewish Colonization Association, em acordos com o governo do Estado. Imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias instaladas na Argentina a partir de 1893. 

Em 1904, enquanto às margens do Kineret se fundava o primeiro Kibutz, o Degania, nas terras frias do Sul do Brasil se estabelecia a primeira colônia gaúcha, Philippson, com 37 famílias originárias da Bessarábia. Ali foi criada, em 1906, a primeira escola judaica no Brasil na qual se ensinou o currículo oficial brasileiro. Em 1912, foi estabelecida a colônia Quatro Irmãos, que chegou a contar com mais de 350 famílias, divididas em quatro núcleos: Quatro Irmãos, Baroneza Clara, Barão Hirsch e Rio Padre.

Em cada um dos núcleos, funcionou uma escola que ensinava o currículo oficial e o judaico. Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. E ainda uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos à companhia num prazo de 10 a 15 anos. Em 1915, a população em Quatro Irmãos atingiu 1.600 pessoas.

Após anos de trabalho árduo, essas colônias foram abandonadas por falta de experiência agrícola, isolamento dos colonos, má qualidade das terras, falta de crédito, conflito de interesses com a JCA, falta de apoio governamental e, finalmente, por um levante militar ocorrido no Rio Grande do Sul, que devastou a região em 1923. Na década de 1920, a maioria dos colonos já havia se mudado para Porto Alegre ou criado pequenas comunidades no interior do Estado.

Hoje, no município em que foram estabelecidas as colônias, Santa Maria, muitos desses pioneiros são homenageados com nomes de rua. O antigo hospital foi tombado como patrimônio histórico e hoje abriga o Museu e Arquivo Histórico das Colônias. O Cemitério de Philippson foi recentemente restaurado e é periodicamente visitado por descendentes desses pioneiros.

Em Porto Alegre, a capital do estado, a comunidade se estabeleceu a partir dos anos 1910. Os imigrantes da Europa Oriental escolheram o bairro do Bom Fim, que passou a ter forte concentração judaica. Lá ocorreu a centralização da vida comunitária, por meio das sinagogas, escolas, sociedades culturais, grupos de jovens, teatro iídiche, bibliotecas, sociedades de amparo aos recém-chegados, clube, armazém, açougue e o primeiro jornal judaico do Brasil publicado em ídiche, Di Menshhait, criado em 1915.

O ishuv de Porto Alegre merece ainda destaque por uma luta emblemática. Em 1989, a cidade foi tomada por uma profusão de livros antissemitas, todos publicados pela editora “Revisão”, de Siegfried Ellwanger. Com relativa repercussão, foi criado em Porto Alegre o Movimento Popular Anti-Racismo - Mopar, aliança entre integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e ativistas judeus, para combater racismo e antissemitismo. O processo aberto pelo Mopar chegou ao Superior Tribunal Federal, que apreciou dois temas: 1) antissemitismo é racismo? 2) a liberdade de expressão abrange a divulgação de escritos de ódio a que se dedicava Ellwanger?  O STF concluiu que o antissemitismo é uma prática de racismo e que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação do racismo. Também apontou que a negação de fatos históricos incontroversos, como o Holocausto, lastreada na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui uma incitação à discriminação. Assim, entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.

Em 2004, o proprietário-editor da editora foi condenado por crime de racismo e antissemitismo. Foi a primeira condenação do antissemitismo pela mais alta corte de Justiça do país, estabelecendo uma importante jurisprudência. 
 

d) Rio de Janeiro

A segunda maior comunidade judaica do Brasil começou a se formar na metade do século 19. Com a proclamação da independência, em 1822, e a relativa liberdade religiosa instaurada pela Constituição de 1824, teve início a chegada de judeus à então capital do país. Antes, entre os séculos 16 e 17, já havia a presença de cristãos-novos no Rio de Janeiro - e também perseguição por parte da Inquisição.

A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.

É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida, da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.

Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam russo, polonês e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. 

Não muito longe dali, na rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.

Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis.

Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.

O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.

Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.

Atualmente, com 22 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.


e) São Paulo

No início do século 20, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a receberem a quase totalidade dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, entre eles os judeus. A capital paulista atraiu muito mais do que qualquer outra capital brasileira, por motivos econômicos: as atividades ligadas ao café, e ao Porto de Santos, as atividades comerciais e financeiras e a incipiente indústria.

Todos estes fatores atraíram os imigrantes. A imigração expressiva do século 20 se iniciou na década de 1910, com judeus oriundos da Rússia, Polônia, Letônia, Lituânia, Bessarábia. Aportavam em Santos e subiam a serra de trem, desembarcando na histórica Estação da Luz. O Bairro de Bom Retiro é logo ali, e lá já estavam imigrantes italianos e espanhóis. A eles se juntaram muito outros até que o Bairro do Bom Retiro se tornasse o Bairro Judaico de São Paulo.

A partir dos anos 1920, chegaram os judeus Sefaraditas e se instalam no tradicional bairro Mooca, junto com os operários italianos e espanhóis. Lá, fundaram duas sinagogas: a dos oriundos de Sidon e a dos originários de Beirute. Muitos chegaram com muito pouco para recomeçar a vida. Outros chegaram com posses e puderam ajudar. A rede de solidariedade ajudar na busca de trabalho, moradia, roupa, pelas famílias ou via associações beneficentes.

Assim como nas outras capitais, a coletividade paulista se organizou em sociedades de assistências de auxílio. Logo em 1915 foi fundada a Ezra, em seguida a Linat Tzedek, o Lar das Crianças, a Gota de Leite. Ao longo dos anos estas instituições foram se unindo, até que em 1976 formou-se a Unibes - União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social, já com um centenário de atividade. Sua sede ainda é no Bom Retiro e entre seus assistidos há grupos de idosos da coletividade judaica. Mas há algumas décadas seu foco principal é o atendimento à população não judaica carente do entorno.

Os judeus se espalharam por bairros centrais e mais nobres da cidade, e precisaram de uma nova sinagoga; o Templo Beth El, foi construído no período de 1927-1932, em estilo bizantino, seguia o rito asquenazita mas estava aberta e aceitava rabinos das mais diversas proveniências. Teve seu auge até os anos 1960, quando em no início dos anos 2000 foi assinado o acordo para a criação do Museu Judaico de São Paulo que deve ser o maior da América Latina. O museu deverá também integrar o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro que tem o compromisso de preservar a memória da presença judaica no Brasil.

Até as décadas de 1950-60, a vida judaica de São Paulo se concentrava no bairro do Bom Retiro. A comunidade asquenazita, inclusive a ortodoxa, vivia e trabalhava lá. Os movimentos juvenis Dror, Shomer Hatzair, Ichud habonim, escolas sionistas, ortodoxa e ídichista, Chevra Kadisha, todas as associações beneficentes, o escritório da Organização Sionista Unificada, a cooperativa de crédito popular e incontáveis sinagogas se espalhavam pelas ruas do bairro.

Os judeus sírios e libaneses, ou “turcos”, que estabeleceram seus negócios na região da rua 25 de Março, conviveram ali com seus conterrâneos cristãos por longas décadas. Hoje, os chineses os substituíram, assim como, no Bom Retiro, os coreanos tomaram o lugar dos poloneses, russos e lituanos.

Para reforçar a colônia sírio-libanesa, chegaram os judeus de Aleppo, sob a liderança de Jacob Elie Safra, e fundaram em 1964 a Congregação Sefaradi Paulista. Ele faleceu antes do termino da obra, e a Sinagoga ganhou o nome de Beit Yaacov. Esse foi apenas o início de um projeto religioso, educativo e cultural que consiste hoje em duas sinagogas, um corpo de rabinos encabeçados pelo Rabino David Weitman (asquenazita do movimento Lubávitch), o movimento juvenil Netzach, a revista Morashá, o Instituto Morashá de Cultura e a Escola Beit Yaacov, a única escola judaica bilíngue do Brasil, que se destaca no país por sua qualidade de ensino.

Higienópolis é hoje o bairro com maior população judaica. Nos anos 1930/40, era ocupado pelos barões do café, hoje vivem lá além dos herdeiros da elite paulista os judeus. Primeiramente vieram os sefaraditas, depois os asquenazitas e, nas duas últimas décadas, os ortodoxos nas suas mais diversas nacionalidades. O bairro dispõe de 11 sinagogas, uma yeshivá, cinco escolas judaicas, restaurantes, inclusive um de culinária japonesa, serviços de catering, açougues, padaria e mercearias de produtos kasher, uma editora e livraria judaica. Encontramos em Higienópolis a maior variedade de etnias judaicas em São Paulo. A vida judaica no bairro de Higienópolis é tão intensa que nos últimos anos o rabinato do distrito estabeleceu ali um eruv.

O crescimento econômico da cidade proporcionou o fortalecendo das instituições judaicas e a criação de novas. O Hospital Israelita Albert Einstein, fundado em 1955, tornou-se referência e é hoje o hospital privado mais moderno da América Latina. Além disso, possui um programa de assistência social em uma favela próxima.

Em 1969, a Universidade de São Paulo instituiu o Centro de Estudos Judaicos, uma iniciativa da Federação Israelita do Estado de São Paulo e de uma comissão de professores. Ele passou a funcionar como centro complementar do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Seu objetivo: divulgar o legado da cultura e da ética judaica no meio acadêmico e na sociedade. Neste departamento, foi regulamentado em 1989 o Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica.

Em dois séculos de imigração, o judeu encontrou seu lugar, aprendeu a língua, construiu um lar para sua família, progrediu economicamente, se integrou à cultura brasileira e, de geração em geração, incorporou as causas e as questões brasileiras. Nos anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), dez militantes judeus foram mortos pela repressão. O caso mais emblemático é o de Vladimir Herzog (Iugoslávia 1937- São Paulo 1975). Diretor de telejornalismo da TV Cultura – a rede pública do Estado de São Paulo - era militante comunista. Vlado, como era chamado pelos brasileiros, se apresentou para um interrogatório, foi torturado e morto nas dependências do Exército. A versão oficial: suicídio por enforcamento. No entanto, uma foto deixava claro que ele não havia se enforcado.

O funcionário da Chevra, sob as ordens do rabino Henry Sobel, insistiu com militares para examinar o corpo de Vlado e verificou que ele tinha muitas marcas de hematoma, indicando que havia sido violentamente torturado: a farsa do suicídio caía por terra.

Em outubro de 1975, Sobel, um jovem rabino recém-chegado dos Estados Unidos e defensor dos direitos humanos, recusou-se a enterrar Vladimir Herzog na ala dos suicidas. Por sua insistência e intrometimento, foi ameaçado pelos generais. Buscou e teve o apoio do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Ali se iniciou uma parceria que duraria 40 anos.

Dias após o enterro, um ato ecumênico foi organizado na Catedral da Sé, com líderes religiosos judeus, católicos, protestantes e umbandistas. Estavam presentes dentro da Catedral familiares e amigos, políticos e sindicalistas. Do lado de fora, a Praça da Sé lotou, apesar da censura da imprensa, e uma multidão silenciosa e apreensiva se aglomerou no que foi chamado por historiadores e especialistas como o início do processo de redemocratização brasileira. A ditadura ainda demoraria 10 anos para acabar.

O rabino Sobel (Lisboa, 1944) sucedeu o rabino Dr. Fritz Pinkuss na presidência da Congregação Israelita Paulista, onde ficou até 2007. Foi um notável porta-voz da comunidade judaica e estabeleceu diálogo com os cristãos e outras religiões. Sua atuação levou-o a ser considerado a maior liderança judaica do Brasil, no período entre 1970-2010.


f) Judeus na Amazônia - Belém e Manaus

No início do século 19, a Inglaterra fazia sua Revolução Industrial, e Napoleão invadia a Europa difundindo os valores da Revolução Francesa. A Família Real Portuguesa, diante da invasão napoleônica, fugiu em 1808 para o Rio de Janeiro e abriu para os ingleses as fronteiras comerciais. Éramos então uma sociedade agrária e escravocrata.

Em 1821, o Tribunal do Santo Oficio foi extinto e a liberdade de culto permitida, para atender soldados e comerciantes ingleses, protestantes. Isso serviu de atrativo para os judeus do Marrocos tentarem uma nova vida no Brasil.

Uma primeira leva de imigrantes veio em 1810. O fato de ser uma cidade portuária foi determinante para que Belém crescesse como a primeira comunidade judaica da Amazônia. Os imigrantes eram principalmente homens solteiros, que trabalharam no comércio nas cidades ribeirinhas dos afluentes do rio Amazonas: os regatões, como são chamados no Norte do Brasil, ou mascates, como são chamados no Sul e no Nordeste.

Eles logo precisaram de reforços e chamaram seus conterrâneos, rapazes que haviam acabado de fazer o bar mitzvá, e em seguida chamavam suas esposas, ou suas prometidas. Nesse período, estima-se que 300 famílias se instalaram na Amazônia.

Em 1824, a comunidade fundou a primeira sinagoga de Belém, Eshel Avraham e, em 1835, a Shaar Ha Shamaim, dando forma oficial à comunidade da capital e aos inúmeros núcleos judaicos espalhados nas localidades interioranas. Essas duas sinagogas se mantêm ativas ininterruptamente até os dias de hoje.

A partir da segunda metade do século 19, a região prosperou com o ciclo da Borracha (1860-1910), e houve um aumento do fluxo migratório de judeus marroquinos. Belém e Manaus tomaram ares de metrópoles, com construções de grandes edifícios em estilo Art - Nouveau como o Teatro da Paz, em Manaus e o Mercado Municipal Ver-o-Peso, em Belém. Nesta segunda fase da imigração, estima-se que mais 700 famílias aportaram na região.

O isolamento geográfico, aliado à homogeneidade dos marroquinos, a pouca influência de outros grupos judaicos e as trocas culturais com a população local são alguns dos fatores que fazem do judaísmo da Amazônia algo diferenciado dentro do judaísmo do Brasil e da diáspora como um todo. Os costumes e tradições do Marrocos ainda se mantêm, mesmo com a chegada de judeus asquenazitas no período entre-guerras. Estes se adequaram ao estilo marroquino dos judeus da Amazônia. 

A comunidade de Belém chega ao século 21 com 1300 membros, lutando para manter ativas suas instituições, clubes, sinagogas, movimentos juvenis. À frente das duas sinagogas estão rabinos formados na linha ortodoxa, porém filhos da própria comunidade.  

g) Presença judaica no Brasil Colônia - Recife

É possível identificar a presença judaica no Brasil desde seu descobrimento, em 1500. Nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, já havia cristãos-novos. Em Portugal, durante o período de expansão ultramarina iniciado no século 15, havia judeus ligados às ciências e às artes da navegação. Os primeiros judeus nestas terras foram os expulsos de Portugal em 1496, que escolheram aqui seu refúgio, mesmo tendo passado pela conversão forçada, pois acreditavam que aqui estariam a salvo das perseguições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

De fato, o Tribunal da Inquisição não se instalou no Brasil Colônia de forma permanente, mas enviou “visitações”; estas perseguiam o que se considerava práticas “judaizantes”. As ações da Inquisição no Brasil foram menos sistemáticas e frequentes do que em Portugal, onde a instituição vigorou até 1821.

No período entre 1500 a 1822, o Brasil foi o destino de milhares de cristãos-novos que, no entanto, não constituíram comunidades organizadas. Eles se estabeleceram no Nordeste, nos estados de Pernambuco e Bahia, e eram sobretudo, senhores de engenhos de cana-de-açúcar, comerciantes ou exportadores de açúcar.

Em 1630, O Brasil foi invadido pelos holandeses, e o conde Mauricio de Nassau começou a construção do que seria a atual cidade de Recife, capital de Pernambuco. A Companhia das Índias Orientais, que explorou os mais de 120 engenhos de açúcar existentes em Pernambuco, era integrada por muitos judeus holandeses. O encontro destes com os cristãos-novos de Pernambuco, em nova realidade de liberdade religiosa proporcionada pelo governo holandês, fez com que surgisse em Recife a primeira e maior comunidade judaica organizada das Américas.

No período de domínio holandês, entre 1630 e 1654, construíram a primeira sinagoga do Novo Mundo, a Kahal Zur Israel, e também a segunda, a Maguen Abraham, cujo primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), que chegou ao Recife em 1641 e lá ficou por 13 anos. 

Durante o governo de Nassau, Recife foi considerada a mais cosmopolita cidade das Américas. Em 1654, foi reconquistada pelos portugueses, e a liberdade culto foi revogada. Alguns judeus holandeses partiram para a América do Norte e ajudaram a fundar Nova Amsterdã, atual Nova York.

A atual comunidade judaica do Recife se formou no século 20, com imigrantes vindos da Europa Oriental, majoritariamente asquenazitas. Fundaram sua primeira sinagoga em 1926, ativa até hoje, e uma escola, a Idishe Schul. Nos anos 1930, os sefaraditas se somaram à comunidade existente e inauguram sua própria sinagoga, que funcionou até a década de 1960.

Em 1992, foi fundado o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco no edifício onde funcionou a antiga sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, na antiga “Rua dos Judeus”. A sinagoga foi restaurada e, em 18 de março de 2002, reinaugurada. A data de 18 de março foi escolhida para ser o Dia Nacional da Imigração Judaica, em lei federal sancionada em 2009.

 
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História dos Judeus no Brasil
 

A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, atrás da Argentina e à frente do México, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população.

Os judeus se concentram sobretudo nas regiões sul e sudeste. As duas mais importantes comunidades do Brasil, confirmadas pelos dados do Censo do IBGE de 2010, estão nas cidades de São Paulo, com 44 mil pessoas, e Rio de Janeiro, com 22 mil. Na região Sul, a cidade de Porto Alegre entra neste século sem perder a vitalidade de suas instituições, uma comunidade de 7.000 judeus. A região Norte merece destaque por sua longevidade. A comunidade de Manaus tem 1.200 membros, e a mais antiga comunidade judaica do Brasil, em Belém do Pará, tem 1.300 membros. No Nordeste, a comunidade do Recife conta com 1.300 membros. Veja mais abaixo verbetes especiais sobre as comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus.

INTRODUÇÃO

A história judaica no Brasil pode ser estudada por meio de quatro marcos distintos:

1) a presença de cristãos-novos e a ação da Inquisição durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822); 
2) a formação de uma comunidade judaica em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, no século 17, durante o período de invasão e domínio holandês, que propiciou liberdade religiosa para os judeus; 
3) o período moderno (1822-1889), no qual houve uma abertura para a aceitação de outras religiões e começou uma esparsa imigração em várias cidades. A primeira comunidade judaica no período moderno formou-se em Belém. Outra, posteriormente, no Rio de Janeiro; 
4) o período contemporâneo (em 1889, o Brasil adotou uma Constituição que garantia a liberdade de religião), quando se formaram comunidades em colônias agrícolas no Rio Grande do Sul (principalmente a partir da primeira década do século 20), e comunidades organizadas em algumas das principais cidades do Brasil (a partir da Primeira Guerra Mundial). 

No período colonial (1500-1822), milhares de portugueses cristãos-novos vieram ao Brasil, mas não constituíram comunidades judaicas organizadas.

Até a proclamação da independência, em 1822, o catolicismo era a religião oficial e não havia liberdade para a prática de outras religiões. Os cristãos-novos participaram da vida colonial, social, cultural e economicamente, com destaque para os engenhos de açúcar na Bahia, Paraíba e Pernambuco. Sua ascensão social e econômica enfrentava restrições. Não podiam pertencer às Irmandades de Misericórdia e às Câmaras Municipais, nem casar com “cristãos-velhos”, por causa dos estatutos de “pureza de sangue”. 

Durante a maior parte do período colonial, esteve ativo no Brasil o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estabelecido em Portugal em 1536 e que funcionou na Metrópole até 1821. A conversão dos povos não católicos nas Américas (como as culturas indígenas e pré-colombianas) era uma ação central no processo de expansão dos impérios português e espanhol. A Inquisição enviou Visitações a partir de 1591 e delegou poder aos bispos locais. As mais conhecidas foram as Visitações de 1591-93, na Bahia; 1593-95, em Pernambuco; 1618, na Bahia; em torno de 1627, no Sudeste; e as de 1763 e 1769, no Grão-Pará, norte do país. No século 18, a Inquisição também esteve ativa na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1773, durante o governo do Marquês de Pombal, a diferenciação entre novos e velhos cristãos foi abolida, e a Inquisição deixou de atuar. Apesar de sua ação, uma significativa porosidade social permitiu aos cristãos-novos formas de ascensão social e econômica e estratégias de perpetuar a identidade. 

Segundo Wiznitzer, nos dois séculos e meio de ação da Inquisição no Brasil, cerca de 25 mil pessoas foram processadas por variadas acusações, e 1.500 foram condenadas à morte. Cerca de 400 pessoas acusadas de “práticas judaizantes” foram processadas, a maioria condenada à prisão e 18 à morte, em Lisboa. Três escritores cristãos-novos se destacaram no período colonial com uma obra que revela elementos de expressão judaica: Bento Teixeira, com a Prosopopéia; Ambrósio Fernandes Brandão, autor de Diálogos das Grandezas do Brasil (ambos do séc. 16); e o teatrólogo Antônio José da Silva, “o Judeu”, que viveu parte da vida em Portugal, parte no Brasil, tornou-se um dos mais conhecidos autores de teatro e foi condenado à morte pela Inquisição, em 1739. O antissemitismo da Inquisição permaneceu no imaginário do país, embora sem ligação objetiva com a história moderna e contemporânea das comunidades judaicas que começaram a se estabelecer no Brasil a partir do século 19 e, principalmente, no século 20. 

A primeira comunidade judaica organizada foi formada em Recife, Pernambuco, na região Nordeste do território, entre 1630 e 1654, durante o período de ocupação colonial holandesa, que permitiu a liberdade de religião e defendeu legalmente judeus e cristãos-novos das restrições impostas por Portugal. Segundo Wiznitzer, o número de judeus teria chegado, em 1644, a 1.450. Em 1636, os judeus fundaram em Recife a primeira sinagoga em solo brasileiro (e em todas as Américas): Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel). Com a expulsão dos holandeses em 1654, encerrou-se este capítulo da história judaica no país. 

Após a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião de Estado, mas proclamou a tolerância com relação a outras religiões e cultos realizados em espaços privados. Algumas dezenas de judeus vieram ao Brasil neste período. D. Pedro II, que assumiu o trono em 1832, era interessado por judaísmo, foi um hebraísta, mantendo correspondências com ilustres judeus de sua época e tendo visitado a Terra Santa em uma de suas viagens internacionais. 

A segunda comunidade judaica organizada no país foi fundada em Belém, a partir da imigração de judeus do Marrocos. Atraídos pela riqueza da borracha, estabeleceram a sinagoga Shaar Hashamain em torno de 1824. Em 1842, foi fundado um cemitério judaico em Belém. Um novo ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20, atraiu mais imigrantes e formou núcleos judaicos em diversas localidades da Amazônia, como Itacoatiara, Cametá, Paratintins, Óbidos, Santarém, Humaitá e outras. Imigrantes judeus chegaram também a cidades como o Rio de Janeiro, onde fundaram, em 1840-50, a União Shel Guemilut Hassadim e, em 1867, a Alliance Israélite Universelle. Também para São Paulo houve um pequeno afluxo de imigrantes originários da Alsácia-Lorena. 

A Constituição Republicana de 1891 garantiu a separação entre Estado e Igreja e proclamou a liberdade de religião, introduzindo o casamento civil e os cemitérios laicos. A primeira imigração organizada no século 20 se deu no Rio Grande do Sul. Através da Jewish Colonization Association (JCA) e de acordos com o governo do Estado, centenas de imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias que foram instaladas na Argentina, a partir de 1893. A primeira colônia, de 4.472 hectares, se estabeleceu em Philippson, na região de Santa Maria, em 1904, com 37 famílias originárias da Bessarábia. 

A partir dos anos da Primeira Guerra Mundial e até os anos 1920-30, imigrantes judeus da Europa Oriental e Ocidental e do Oriente Médio formaram comunidades estruturadas nas principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Pequenos núcleos formaram-se em dezenas de cidades do interior, acompanhando principalmente os ciclos econômicos. Em muitos locais, tiveram o apoio de entidades internacionais, principalmente JCA, Joint, Emigdirect e Hias. 

Na época da Primeira Guerra Mundial, a população judaica do país atingiu entre cinco e sete mil pessoas. Nas décadas de 1920 e 1930, imigraram ao país cerca de 30 mil judeus, chegando seu número a cerca de 56 mil nos anos 1930. De acordo com estatísticas oficiais, a população judaica por Estado era a seguinte, para os anos 1900, 1940 e 1950: São Paulo (226; 20.379; 26.443), Rio de Janeiro (25; 22.393, 33.270), Rio Grande do Sul (54, 6.619, 8.048), Bahia (17, 955, 1.076), Paraná (17, 1.033, 1.340) e Minas Gerais (37, 1.431, 1.528). Em Pernambuco, em 1920 havia cerca de 150 famílias. 

Desde o final do século 19, e em especial após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil tornara-se um “país de imigrantes”, em um ambiente de tolerância religiosa, intensa permeabilidade social e cultural e oportunidades de ascensão econômica, que não foi bloqueada por manifestações de preconceito e racismo. Desde os anos 1880 e até os anos 1940, o Brasil recebeu cerca de quatro milhões de imigrantes (dos quais 65 mil judeus, até 1942). 

Estes imigrantes, com sua cultura e seu dinamismo social e econômico, participaram do desenvolvimento do país. Além da liberdade religiosa oficial, a legislação brasileira era tolerante com imigrantes europeus, e havia brechas que permitiam a entrada de mais imigrantes, apesar da burocracia legal e da necessidade de “cartas de chamada”. A partir dos anos 1920, o Brasil tornara-se um destino desejável e viável, dadas as restrições e quotas impostas pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Na década de 1920, mais de 10% dos judeus que emigraram da Europa escolheram o Brasil como destino e, entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus. 

A organização comunitária foi outro fator decisivo para uma inserção bem sucedida. Nos núcleos urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Santos havia organizações assistenciais, sinagoga, escola, cemitério, entidades cultuais e recreativas, movimentos políticos e imprensa. Em 1929, existiam 25 escolas judaicas no país. Em São Paulo, por exemplo, nos anos 1920 a 1930 havia seis diferentes entidades assistenciais na comunidade que ofereciam todo o apoio necessário aos imigrantes, desde a chegada no porto, assistência a mulheres grávidas, até mesmo um aporte capital para começar um trabalho, em geral mascatear mercadorias. 

A vida comunitária se desenvolvia também em torno da sinagoga, dos clubes sociais, esportivos e culturais, de movimentos políticos e uma imprensa ativa. Muitos imigrantes judeus urbanos trabalharam como mascates, mas também como artesãos e comerciantes; outros se tornaram industriais em ramos como o têxtil e o de móveis. Mais tarde, a partir dos anos 1960, uma significativa parcela passou a exercer atividades de profissionais liberais, como médicos, administradores, engenheiros, professores universitários, jornalistas, editores, psicólogos e demais profissões. 

No Brasil, as mulheres têm sido muito ativas na comunidade, em instituições como a Wizo e a Naamat Pioneiras, fundando e dirigindo entidades assistenciais, que protegiam as mulheres e as crianças, e também como voluntárias na área assistencial, como no caso do Departamento de Voluntárias do Hospital Israelita Albert Einstein. 

As comunidades mantinham intensa atividade política, com movimentos de esquerda e partidos sionistas, e diversas combinações entre eles. O 1° Congresso Sionista no Brasil deu-se em 1922, reunindo quatro movimentos: Ahavat Sion (São Paulo), Tiferet Sion (Rio de Janeiro, de 1919), Shalom Sion (Curitiba) e Ahavat Sion (Pará), que fundaram a Federação Sionista do Brasil. Um ano antes, em 1921, um delegado brasileiro participou do 12° Congresso Sionista, em Karlbad. Em 1929, uma eleição para escolher o delegado brasileiro ao 16° Congresso Sionista contou com dois candidatos que tiveram, na soma, 1.260 votos, e em 1934, para o 18° Congresso, o total de votos foi de 2.647 votos. 

Os movimentos de esquerda também foram significativos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O denso movimento dos judeus de esquerda no Rio de Janeiro se aglutinou em torno da Biblioteca Scholem Aleichem, da Brazkcor, Sociedade Brasileira Pró-Colonização Judaica na União Soviética, e do Centro Operário Morris Vinchevsky. Em São Paulo, havia os grupos Cultura e Progresso e, já em 1954, o Instituto Cultural israelita Brasileiro (Icib), a Casa do Povo, de tendência comunista, junto ao Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib). A língua e a cultura idiche foram um aglutinador importante destes movimentos. 

O primeiro jornal judaico editado em idiche no Brazil foi Di Menscheit, em 1915 em Porto Alegre, e as comunidades nas várias cidades mantiveram uma intensa atividade de imprensa, de teatro e cultural em geral. Em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro os judeus se concentraram em bairros definidos: Bom Retiro, Bonfim e Praça Onze, respectivamente, que tem seus cronistas e escritores, como Eliezer Levin, Samuel Malamud e Moacyr Scliar (este último a mais importante expressão literária judaica no país). 

Nos anos 1920 e 1930, vivendo concentrados em alguns poucos núcleos urbanos e com uma atividade econômica, social e cultural pública, os judeus se tornaram um dos grupos de imigrantes “mais visíveis”, segundo a expressão do historiador Jeff H. Lesser e, assim, passaram a ser parte do jogo e do interesse político local, nacional e internacional, com o surgimento de estereótipos e manipulação política, especialmente durante o regime Vargas (1930-1945), quando se criou no país uma “questão judaica”, envolvendo interesses políticos, restrições e leis que proibiram formalmente a imigração judaica ao Brasil, com as circulares secretas do Itamaraty, restringindo a entrada de refugiados judeus mesmo durante a guerra. O golpe do Estado Novo, em 1937, foi dado por Vargas com o pretexto forjado de que um plano de revolução comunista estava em marcha, o “Plano Cohen”, com evidente ressonância judaica. 

Apesar disso, a imigração judaica continuou, principalmente através de negociações caso a caso, mas não de forma organizada por meio de entidades assistenciais. Cerca de 17.500 judeus entraram no país entre 1933 e 1939, mas muitos refugiados da Europa ocupada pela Alemanha nazista tiveram o visto negado e tiveram como destino o extermínio no Holocausto. Nesse período, houve diplomatas que salvaram judeus, como o embaixador Souza Dantas. 

Durante os anos do Estado-Novo (1937) e da Segunda Guerra Mundial, um clima geral de xenofobia estava presente em círculos do governo e em setores de suas elites políticas e intelectuais. O ensino de línguas estrangeiras e a publicação de jornais em línguas estrangeiras foi banido, e as organizações de imigrantes tiveram que “nacionalizar” seus nomes e eleger diretorias com brasileiros natos. Como regra, estas foram restrições impostas a todos os grupos imigrantes. Não obstante a ditadura e o clima nacionalista xenófobo, as organizações judaicas adequaram-se à legislação e souberam enfrentar as restrições sem deixar de funcionar. As escolas continuaram a ensinar hebraico e cultura judaica, as sinagogas mantiveram seus cultos, programas de rádio tocavam músicas judaicas e inúmeras organizações foram fundadas neste período. O antissemitismo não significou ações públicas contra os judeus dentro do Brasil e os que conseguiram imigrar. 

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as comunidades participaram das campanhas em prol do esforço de guerra do Brasil, que rompeu relações com o Eixo em agosto de 1942, seguindo uma política de alinhamento com os Estados Unidos e com os Aliados. A comunidade judaica do Brasil doou cinco aviões para a recém criada Aviação Militar do Brasil, em 1942, e criou vários comitês para auxiliar os refugiados de guerra na Europa, alguns ligados à Cruz Vermelha. Também durante a guerra, várias campanhas foram realizadas em prol dos refugiados na Europa. Em julho de 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com mais de 30 mil homens. Havia 42 judeus na FEB, entre eles o artista plástico Carlos Scliar, que publicou depois um Álbum de Guerra e Boris Schnaiderman, que publicou Guerra em Surdina, romance testemunhal da FEB. 

Entre 1933 e 1938, esteve ativo no Brasil o movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Mimetizando o fascismo, o Integralismo tinha uma plataforma antissemita. Gustavo Barroso, o chefe das milícias, era o principal pregador antissemita. Traduziu “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e fez várias versões adaptadas ao Brasil, entre elas “A Sinagoga Paulista”, “Brasil, colônia de banqueiros” e “História secreta do Brasil”. No principal jornal integralista, Barroso, também membro da Academia Brasileira de Letras, mantinha a coluna “Judaísmo internacional”. No entanto, não há registros documentados de ações e violência aberta contra as comunidades judaicas. Em Curitiba, Baruch Schulman escreveu, em 1937, Em Legítima Defesa, uma publicação em defesa dos judeus. Em Belo Horizonte, Isaías Golgher criou um Comitê Anti-Integralista. Um grupo de intelectuais brasileiros, apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA) e pela companhia Klabin, publicou em 1933 um livro em defesa dos judeus chamado Por que ser antissemita?Um inquérito entre intelectuais brasileiros. 

Em São Paulo, em 1946, foi fundada Federação Israelita do Estado de São Paulo, de linha sionista, para organizar a imigração do pós-guerra dos judeus refugiados na Europa para o Brasil. O movimento sionista, que havia sido inativo durante aqueles anos, ressurgiu e passou a ter atuação pública. A militância judaica de esquerda também voltou a ser muito ativa, inclusive nas fileiras do Partido Comunista. Em 1948, foi fundada a Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do Brasil – depois Confederação Israelita do Brasil (Conib). 

O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembléia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.

O texto acima é do historiador Roney Cytrynowicz.

Bibliografia básica: 

- Calaça, Carlos Eduardo e Maio, Marcos Chor. “Cristãos Novos e Judeus: Um Balanço da Bibliografia sobre o Antissemitismo no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n° 49, 1° semestre de 2000, pp. 15-50 
- Cytrynowicz, Roney. Verbete “Brazil”. Encylopaedia Judaica, Gale/Keter Publishing House, 2006. 
- Falbel, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo, Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984 
- Lesser, Jeffrey H. Welcoming the Undiserables: Brazil and the Jewish Question. University of California Press, 1995 
-Lesser, Jeffrey H. Pawns of the Powerfull. Jewish Immigration to Brazil 1904-1945. Tese (PhD em História). New York University, 1989 
-Maio, Marcos Chor. “Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30”. In: Pandolfi, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 239 e 239 
-Malamud, Samuel. Documentário. Contribuição judaica à memória da comunidade judaica brasileira. São Paulo, Imago, 1992 
-Milgram, Avraham. Os judeus do Vaticano. A tentativa de salvação de católicos – não-arianos – da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942) 
-Rattner, Henrique. Tradição e Ruptura (A comunidade judaica em São Paulo). São Paulo, Ática, 1977
- Wiznitzer, Arnold. Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, Edusp/Pioneira, 1960
 

A IMIGRAÇÃO JUDAICA NO BRASIL

A comunidade judaica tal qual a conhecemos hoje é fruto da imigração que se iniciou no século 19 e se intensificou no século 20, atingindo o seu auge entre os anos 1926 e 1942 quando mais de 50 mil judeus entraram no Brasil. No entanto, é possível identificar a presença judaica no Brasil desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral, em 1500, nas quais já figuravam cristãos-novos. Este tema será desenvolvido no capítulo 4.

No século 19, judeus do Marrocos chegaram à Amazônia e se instalam em Belém, cidade portuária, Manaus e nas cidades dos afluentes do rio Amazonas. Para a então capital do Império e, após 1822, da Republica, o Rio de Janeiro, vieram os judeus da Alsácia – Lorena, asquenazitas, e também alguns sefaraditas. Já no século 20, nas cidades de Recife e Salvador, na região Nordeste, formaram-se comunidades asquenazitas, com judeus oriundos da Europa Oriental.

No Sul, seja nas colônias do Barão Hirsch, em Porto Alegre e em Curitiba, e também nas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, se estabelecem comunidades asquenazitas com judeus vindos da Rússia, Bessarábia e Polônia.

A imigração sefaradita se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano. Aportaram por aqui os chamados “turcos”, entre eles os judeus, que se instalaram principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1930, foram os alemães que vieram, principalmente para Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em finais dos anos 1950, chegaram os húngaros e os egípcios, que se instalaram sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. Já nos anos 1970, uma leva de judeus libaneses veio principalmente de São Paulo, então centro econômico incontestável do país.

O Brasil atrai no século 21 judeus oriundos da América Latina, que deixam seus países em momentos de crise política ou econômica.
 

Características da imigração contemporânea

a) Asquenazitas e Sefaraditas

Não há um consenso sobre qual comunidade é maior:  asquenazitas ou sefaraditas. Do ponto de vista étnico-cultural, os judeus da Amazônia – sefaraditas - mantiveram sua identidade, devido principalmente ao seu isolamento geográfico. Isso, no entanto, vem mudando nas últimas décadas, com a chegada da ortodoxia asquenazita na região. No Sul, em Porto Alegre, a cultura asquenazita - tradicional ou liberal - sempre foi predominante, com presença minoritária sefaradita. A cultura asquenazita foi e é predominante também em outras capitais.

Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, que atraíram o maior número de imigrantes e concentram as duas maiores comunidades do Brasil, talvez seja diferente. Sempre houve um equilíbrio numérico entre asquenazitas e sefaraditas. Por décadas, os dois grupos não se “misturavam”, e casamentos exogâmicos entre “gringos” e “turcos” eram malvistos, desestimulados, proibidos.  Passadas duas, três, quatro gerações, essas diferenças quase desapareceram, mas ainda não podemos dizer que a fronteira entre asquenazitas e sefaraditas deixou de existir.

b) Iidichistas e Sionistas

Para um grande número de imigrantes judeus, era imprescindível se reunir para além dos marcos nacional e regional: a participação nos grandes temas da política judaica era fundamental. Assim, surgiram organizações idichistas de esquerda em contraponto aos judeus sionistas. Entre as primeiras, destacamos a mais antiga delas, fundada no Rio de Janeiro: a Biblioteca Israelita Brasileira Scholem Aleichem que depois se tornou Associação Scholem Aleichem, ativa até hoje.  

Em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Instituto Cultural Israelita Brasileira – A Casa do Povo, abrigou o Teatro de Arte Israelita Brasileiro – TAIB, o Colégio Scholem Aleichem, o clubinho I.L. Peretz, dois corais, um em iídiche, outro em português, a administração da colônia de férias Kinderland, e a edição do jornal “Nossa Voz”. Seu auge foi nos anos 1960-1970, com uma retomada na década de 2010.

Em Porto Alegre o Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, estabelecido em 1985 e herdeiro do iidichismo, é muito ativo e uma importante referência cultural na cidade, mantendo um Departamento de Memória com publicações, biblioteca e um bem-organizado arquivo da imigração no Estado.

Os sionistas criaram em 1913, no Rio de Janeiro, a associação Tiferet Tzion e, nos anos seguintes, outras entidades em capitais como São Paulo, Belém do Pará e Curitiba. Em 1916, David José Perez fundou na então capital federal o jornal sionista A Columna. Em 1921, o movimento foi representado pela primeira vez em um Congresso Sionista Mundial.  Em novembro de 1922, na 1ª Conferência Territorial Sionista, realizada no Rio de Janeiro, foram propostas resoluções como a implantação de uma educação moderna nacional-hebraica e a criação de escolas judaicas no Brasil.

No final dos anos 1920, as instituições judaicas do Rio de Janeiros e São Paulo, assim como as de outros estados, já estavam se consolidando, e iidichistas e sionistas disputavam as diretorias das principais entidades comunitárias.

Em 1938, durante o Estado Novo (1937-45), período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, os sionistas foram proibidos de exercer suas atividades. Conseguiram, no entanto, prosseguir seu trabalho por meio de diferentes estratégias, não havendo assim, perseguição contra o movimento.

As divergências entre os iidichistas e sionistas se dissiparam com a criação do Estado de Israel, fato que representou um marco na história da comunidade judaica brasileira. A partir de então, a identidade comunitária é fortemente clivada pela questão do engajamento político e afirmação de lealdade ao Estado de Israel.

c) As Colônias do Barão Hirsch e Porto Alegre

As primeiras comunidades judaicas instaladas de forma organizada com recursos europeus no Brasil formaram-se no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século 20, por intermédio da Jewish Colonization Association, em acordos com o governo do Estado. Imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias instaladas na Argentina a partir de 1893. 

Em 1904, enquanto às margens do Kineret se fundava o primeiro Kibutz, o Degania, nas terras frias do Sul do Brasil se estabelecia a primeira colônia gaúcha, Philippson, com 37 famílias originárias da Bessarábia. Ali foi criada, em 1906, a primeira escola judaica no Brasil na qual se ensinou o currículo oficial brasileiro. Em 1912, foi estabelecida a colônia Quatro Irmãos, que chegou a contar com mais de 350 famílias, divididas em quatro núcleos: Quatro Irmãos, Baroneza Clara, Barão Hirsch e Rio Padre.

Em cada um dos núcleos, funcionou uma escola que ensinava o currículo oficial e o judaico. Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. E ainda uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos à companhia num prazo de 10 a 15 anos. Em 1915, a população em Quatro Irmãos atingiu 1.600 pessoas.

Após anos de trabalho árduo, essas colônias foram abandonadas por falta de experiência agrícola, isolamento dos colonos, má qualidade das terras, falta de crédito, conflito de interesses com a JCA, falta de apoio governamental e, finalmente, por um levante militar ocorrido no Rio Grande do Sul, que devastou a região em 1923. Na década de 1920, a maioria dos colonos já havia se mudado para Porto Alegre ou criado pequenas comunidades no interior do Estado.

Hoje, no município em que foram estabelecidas as colônias, Santa Maria, muitos desses pioneiros são homenageados com nomes de rua. O antigo hospital foi tombado como patrimônio histórico e hoje abriga o Museu e Arquivo Histórico das Colônias. O Cemitério de Philippson foi recentemente restaurado e é periodicamente visitado por descendentes desses pioneiros.

Em Porto Alegre, a capital do estado, a comunidade se estabeleceu a partir dos anos 1910. Os imigrantes da Europa Oriental escolheram o bairro do Bom Fim, que passou a ter forte concentração judaica. Lá ocorreu a centralização da vida comunitária, por meio das sinagogas, escolas, sociedades culturais, grupos de jovens, teatro iídiche, bibliotecas, sociedades de amparo aos recém-chegados, clube, armazém, açougue e o primeiro jornal judaico do Brasil publicado em ídiche, Di Menshhait, criado em 1915.

O ishuv de Porto Alegre merece ainda destaque por uma luta emblemática. Em 1989, a cidade foi tomada por uma profusão de livros antissemitas, todos publicados pela editora “Revisão”, de Siegfried Ellwanger. Com relativa repercussão, foi criado em Porto Alegre o Movimento Popular Anti-Racismo - Mopar, aliança entre integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e ativistas judeus, para combater racismo e antissemitismo. O processo aberto pelo Mopar chegou ao Superior Tribunal Federal, que apreciou dois temas: 1) antissemitismo é racismo? 2) a liberdade de expressão abrange a divulgação de escritos de ódio a que se dedicava Ellwanger?  O STF concluiu que o antissemitismo é uma prática de racismo e que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação do racismo. Também apontou que a negação de fatos históricos incontroversos, como o Holocausto, lastreada na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui uma incitação à discriminação. Assim, entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.

Em 2004, o proprietário-editor da editora foi condenado por crime de racismo e antissemitismo. Foi a primeira condenação do antissemitismo pela mais alta corte de Justiça do país, estabelecendo uma importante jurisprudência. 
 

d) Rio de Janeiro

A segunda maior comunidade judaica do Brasil começou a se formar na metade do século 19. Com a proclamação da independência, em 1822, e a relativa liberdade religiosa instaurada pela Constituição de 1824, teve início a chegada de judeus à então capital do país. Antes, entre os séculos 16 e 17, já havia a presença de cristãos-novos no Rio de Janeiro - e também perseguição por parte da Inquisição.

A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.

É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida, da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.

Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam russo, polonês e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. 

Não muito longe dali, na rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.

Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis.

Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.

O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.

Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.

Atualmente, com 22 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.


e) São Paulo

No início do século 20, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a receberem a quase totalidade dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, entre eles os judeus. A capital paulista atraiu muito mais do que qualquer outra capital brasileira, por motivos econômicos: as atividades ligadas ao café, e ao Porto de Santos, as atividades comerciais e financeiras e a incipiente indústria.

Todos estes fatores atraíram os imigrantes. A imigração expressiva do século 20 se iniciou na década de 1910, com judeus oriundos da Rússia, Polônia, Letônia, Lituânia, Bessarábia. Aportavam em Santos e subiam a serra de trem, desembarcando na histórica Estação da Luz. O Bairro de Bom Retiro é logo ali, e lá já estavam imigrantes italianos e espanhóis. A eles se juntaram muito outros até que o Bairro do Bom Retiro se tornasse o Bairro Judaico de São Paulo.

A partir dos anos 1920, chegaram os judeus Sefaraditas e se instalam no tradicional bairro Mooca, junto com os operários italianos e espanhóis. Lá, fundaram duas sinagogas: a dos oriundos de Sidon e a dos originários de Beirute. Muitos chegaram com muito pouco para recomeçar a vida. Outros chegaram com posses e puderam ajudar. A rede de solidariedade ajudar na busca de trabalho, moradia, roupa, pelas famílias ou via associações beneficentes.

Assim como nas outras capitais, a coletividade paulista se organizou em sociedades de assistências de auxílio. Logo em 1915 foi fundada a Ezra, em seguida a Linat Tzedek, o Lar das Crianças, a Gota de Leite. Ao longo dos anos estas instituições foram se unindo, até que em 1976 formou-se a Unibes - União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social, já com um centenário de atividade. Sua sede ainda é no Bom Retiro e entre seus assistidos há grupos de idosos da coletividade judaica. Mas há algumas décadas seu foco principal é o atendimento à população não judaica carente do entorno.

Os judeus se espalharam por bairros centrais e mais nobres da cidade, e precisaram de uma nova sinagoga; o Templo Beth El, foi construído no período de 1927-1932, em estilo bizantino, seguia o rito asquenazita mas estava aberta e aceitava rabinos das mais diversas proveniências. Teve seu auge até os anos 1960, quando em no início dos anos 2000 foi assinado o acordo para a criação do Museu Judaico de São Paulo que deve ser o maior da América Latina. O museu deverá também integrar o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro que tem o compromisso de preservar a memória da presença judaica no Brasil.

Até as décadas de 1950-60, a vida judaica de São Paulo se concentrava no bairro do Bom Retiro. A comunidade asquenazita, inclusive a ortodoxa, vivia e trabalhava lá. Os movimentos juvenis Dror, Shomer Hatzair, Ichud habonim, escolas sionistas, ortodoxa e ídichista, Chevra Kadisha, todas as associações beneficentes, o escritório da Organização Sionista Unificada, a cooperativa de crédito popular e incontáveis sinagogas se espalhavam pelas ruas do bairro.

Os judeus sírios e libaneses, ou “turcos”, que estabeleceram seus negócios na região da rua 25 de Março, conviveram ali com seus conterrâneos cristãos por longas décadas. Hoje, os chineses os substituíram, assim como, no Bom Retiro, os coreanos tomaram o lugar dos poloneses, russos e lituanos.

Para reforçar a colônia sírio-libanesa, chegaram os judeus de Aleppo, sob a liderança de Jacob Elie Safra, e fundaram em 1964 a Congregação Sefaradi Paulista. Ele faleceu antes do termino da obra, e a Sinagoga ganhou o nome de Beit Yaacov. Esse foi apenas o início de um projeto religioso, educativo e cultural que consiste hoje em duas sinagogas, um corpo de rabinos encabeçados pelo Rabino David Weitman (asquenazita do movimento Lubávitch), o movimento juvenil Netzach, a revista Morashá, o Instituto Morashá de Cultura e a Escola Beit Yaacov, a única escola judaica bilíngue do Brasil, que se destaca no país por sua qualidade de ensino.

Higienópolis é hoje o bairro com maior população judaica. Nos anos 1930/40, era ocupado pelos barões do café, hoje vivem lá além dos herdeiros da elite paulista os judeus. Primeiramente vieram os sefaraditas, depois os asquenazitas e, nas duas últimas décadas, os ortodoxos nas suas mais diversas nacionalidades. O bairro dispõe de 11 sinagogas, uma yeshivá, cinco escolas judaicas, restaurantes, inclusive um de culinária japonesa, serviços de catering, açougues, padaria e mercearias de produtos kasher, uma editora e livraria judaica. Encontramos em Higienópolis a maior variedade de etnias judaicas em São Paulo. A vida judaica no bairro de Higienópolis é tão intensa que nos últimos anos o rabinato do distrito estabeleceu ali um eruv.

O crescimento econômico da cidade proporcionou o fortalecendo das instituições judaicas e a criação de novas. O Hospital Israelita Albert Einstein, fundado em 1955, tornou-se referência e é hoje o hospital privado mais moderno da América Latina. Além disso, possui um programa de assistência social em uma favela próxima.

Em 1969, a Universidade de São Paulo instituiu o Centro de Estudos Judaicos, uma iniciativa da Federação Israelita do Estado de São Paulo e de uma comissão de professores. Ele passou a funcionar como centro complementar do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Seu objetivo: divulgar o legado da cultura e da ética judaica no meio acadêmico e na sociedade. Neste departamento, foi regulamentado em 1989 o Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica.

Em dois séculos de imigração, o judeu encontrou seu lugar, aprendeu a língua, construiu um lar para sua família, progrediu economicamente, se integrou à cultura brasileira e, de geração em geração, incorporou as causas e as questões brasileiras. Nos anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), dez militantes judeus foram mortos pela repressão. O caso mais emblemático é o de Vladimir Herzog (Iugoslávia 1937- São Paulo 1975). Diretor de telejornalismo da TV Cultura – a rede pública do Estado de São Paulo - era militante comunista. Vlado, como era chamado pelos brasileiros, se apresentou para um interrogatório, foi torturado e morto nas dependências do Exército. A versão oficial: suicídio por enforcamento. No entanto, uma foto deixava claro que ele não havia se enforcado.

O funcionário da Chevra, sob as ordens do rabino Henry Sobel, insistiu com militares para examinar o corpo de Vlado e verificou que ele tinha muitas marcas de hematoma, indicando que havia sido violentamente torturado: a farsa do suicídio caía por terra.

Em outubro de 1975, Sobel, um jovem rabino recém-chegado dos Estados Unidos e defensor dos direitos humanos, recusou-se a enterrar Vladimir Herzog na ala dos suicidas. Por sua insistência e intrometimento, foi ameaçado pelos generais. Buscou e teve o apoio do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Ali se iniciou uma parceria que duraria 40 anos.

Dias após o enterro, um ato ecumênico foi organizado na Catedral da Sé, com líderes religiosos judeus, católicos, protestantes e umbandistas. Estavam presentes dentro da Catedral familiares e amigos, políticos e sindicalistas. Do lado de fora, a Praça da Sé lotou, apesar da censura da imprensa, e uma multidão silenciosa e apreensiva se aglomerou no que foi chamado por historiadores e especialistas como o início do processo de redemocratização brasileira. A ditadura ainda demoraria 10 anos para acabar.

O rabino Sobel (Lisboa, 1944) sucedeu o rabino Dr. Fritz Pinkuss na presidência da Congregação Israelita Paulista, onde ficou até 2007. Foi um notável porta-voz da comunidade judaica e estabeleceu diálogo com os cristãos e outras religiões. Sua atuação levou-o a ser considerado a maior liderança judaica do Brasil, no período entre 1970-2010.


f) Judeus na Amazônia - Belém e Manaus

No início do século 19, a Inglaterra fazia sua Revolução Industrial, e Napoleão invadia a Europa difundindo os valores da Revolução Francesa. A Família Real Portuguesa, diante da invasão napoleônica, fugiu em 1808 para o Rio de Janeiro e abriu para os ingleses as fronteiras comerciais. Éramos então uma sociedade agrária e escravocrata.

Em 1821, o Tribunal do Santo Oficio foi extinto e a liberdade de culto permitida, para atender soldados e comerciantes ingleses, protestantes. Isso serviu de atrativo para os judeus do Marrocos tentarem uma nova vida no Brasil.

Uma primeira leva de imigrantes veio em 1810. O fato de ser uma cidade portuária foi determinante para que Belém crescesse como a primeira comunidade judaica da Amazônia. Os imigrantes eram principalmente homens solteiros, que trabalharam no comércio nas cidades ribeirinhas dos afluentes do rio Amazonas: os regatões, como são chamados no Norte do Brasil, ou mascates, como são chamados no Sul e no Nordeste.

Eles logo precisaram de reforços e chamaram seus conterrâneos, rapazes que haviam acabado de fazer o bar mitzvá, e em seguida chamavam suas esposas, ou suas prometidas. Nesse período, estima-se que 300 famílias se instalaram na Amazônia.

Em 1824, a comunidade fundou a primeira sinagoga de Belém, Eshel Avraham e, em 1835, a Shaar Ha Shamaim, dando forma oficial à comunidade da capital e aos inúmeros núcleos judaicos espalhados nas localidades interioranas. Essas duas sinagogas se mantêm ativas ininterruptamente até os dias de hoje.

A partir da segunda metade do século 19, a região prosperou com o ciclo da Borracha (1860-1910), e houve um aumento do fluxo migratório de judeus marroquinos. Belém e Manaus tomaram ares de metrópoles, com construções de grandes edifícios em estilo Art - Nouveau como o Teatro da Paz, em Manaus e o Mercado Municipal Ver-o-Peso, em Belém. Nesta segunda fase da imigração, estima-se que mais 700 famílias aportaram na região.

O isolamento geográfico, aliado à homogeneidade dos marroquinos, a pouca influência de outros grupos judaicos e as trocas culturais com a população local são alguns dos fatores que fazem do judaísmo da Amazônia algo diferenciado dentro do judaísmo do Brasil e da diáspora como um todo. Os costumes e tradições do Marrocos ainda se mantêm, mesmo com a chegada de judeus asquenazitas no período entre-guerras. Estes se adequaram ao estilo marroquino dos judeus da Amazônia. 

A comunidade de Belém chega ao século 21 com 1300 membros, lutando para manter ativas suas instituições, clubes, sinagogas, movimentos juvenis. À frente das duas sinagogas estão rabinos formados na linha ortodoxa, porém filhos da própria comunidade.  

g) Presença judaica no Brasil Colônia - Recife

É possível identificar a presença judaica no Brasil desde seu descobrimento, em 1500. Nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, já havia cristãos-novos. Em Portugal, durante o período de expansão ultramarina iniciado no século 15, havia judeus ligados às ciências e às artes da navegação. Os primeiros judeus nestas terras foram os expulsos de Portugal em 1496, que escolheram aqui seu refúgio, mesmo tendo passado pela conversão forçada, pois acreditavam que aqui estariam a salvo das perseguições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

De fato, o Tribunal da Inquisição não se instalou no Brasil Colônia de forma permanente, mas enviou “visitações”; estas perseguiam o que se considerava práticas “judaizantes”. As ações da Inquisição no Brasil foram menos sistemáticas e frequentes do que em Portugal, onde a instituição vigorou até 1821.

No período entre 1500 a 1822, o Brasil foi o destino de milhares de cristãos-novos que, no entanto, não constituíram comunidades organizadas. Eles se estabeleceram no Nordeste, nos estados de Pernambuco e Bahia, e eram sobretudo, senhores de engenhos de cana-de-açúcar, comerciantes ou exportadores de açúcar.

Em 1630, O Brasil foi invadido pelos holandeses, e o conde Mauricio de Nassau começou a construção do que seria a atual cidade de Recife, capital de Pernambuco. A Companhia das Índias Orientais, que explorou os mais de 120 engenhos de açúcar existentes em Pernambuco, era integrada por muitos judeus holandeses. O encontro destes com os cristãos-novos de Pernambuco, em nova realidade de liberdade religiosa proporcionada pelo governo holandês, fez com que surgisse em Recife a primeira e maior comunidade judaica organizada das Américas.

No período de domínio holandês, entre 1630 e 1654, construíram a primeira sinagoga do Novo Mundo, a Kahal Zur Israel, e também a segunda, a Maguen Abraham, cujo primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), que chegou ao Recife em 1641 e lá ficou por 13 anos. 

Durante o governo de Nassau, Recife foi considerada a mais cosmopolita cidade das Américas. Em 1654, foi reconquistada pelos portugueses, e a liberdade culto foi revogada. Alguns judeus holandeses partiram para a América do Norte e ajudaram a fundar Nova Amsterdã, atual Nova York.

A atual comunidade judaica do Recife se formou no século 20, com imigrantes vindos da Europa Oriental, majoritariamente asquenazitas. Fundaram sua primeira sinagoga em 1926, ativa até hoje, e uma escola, a Idishe Schul. Nos anos 1930, os sefaraditas se somaram à comunidade existente e inauguram sua própria sinagoga, que funcionou até a década de 1960.

Em 1992, foi fundado o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco no edifício onde funcionou a antiga sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, na antiga “Rua dos Judeus”. A sinagoga foi restaurada e, em 18 de março de 2002, reinaugurada. A data de 18 de março foi escolhida para ser o Dia Nacional da Imigração Judaica, em lei federal sancionada em 2009.

 
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História dos Judeus no Brasil
 

A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, atrás da Argentina e à frente do México, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população.

Os judeus se concentram sobretudo nas regiões sul e sudeste. As duas mais importantes comunidades do Brasil, confirmadas pelos dados do Censo do IBGE de 2010, estão nas cidades de São Paulo, com 44 mil pessoas, e Rio de Janeiro, com 22 mil. Na região Sul, a cidade de Porto Alegre entra neste século sem perder a vitalidade de suas instituições, uma comunidade de 7.000 judeus. A região Norte merece destaque por sua longevidade. A comunidade de Manaus tem 1.200 membros, e a mais antiga comunidade judaica do Brasil, em Belém do Pará, tem 1.300 membros. No Nordeste, a comunidade do Recife conta com 1.300 membros. Veja mais abaixo verbetes especiais sobre as comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus.

INTRODUÇÃO

A história judaica no Brasil pode ser estudada por meio de quatro marcos distintos:

1) a presença de cristãos-novos e a ação da Inquisição durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822); 
2) a formação de uma comunidade judaica em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, no século 17, durante o período de invasão e domínio holandês, que propiciou liberdade religiosa para os judeus; 
3) o período moderno (1822-1889), no qual houve uma abertura para a aceitação de outras religiões e começou uma esparsa imigração em várias cidades. A primeira comunidade judaica no período moderno formou-se em Belém. Outra, posteriormente, no Rio de Janeiro; 
4) o período contemporâneo (em 1889, o Brasil adotou uma Constituição que garantia a liberdade de religião), quando se formaram comunidades em colônias agrícolas no Rio Grande do Sul (principalmente a partir da primeira década do século 20), e comunidades organizadas em algumas das principais cidades do Brasil (a partir da Primeira Guerra Mundial). 

No período colonial (1500-1822), milhares de portugueses cristãos-novos vieram ao Brasil, mas não constituíram comunidades judaicas organizadas.

Até a proclamação da independência, em 1822, o catolicismo era a religião oficial e não havia liberdade para a prática de outras religiões. Os cristãos-novos participaram da vida colonial, social, cultural e economicamente, com destaque para os engenhos de açúcar na Bahia, Paraíba e Pernambuco. Sua ascensão social e econômica enfrentava restrições. Não podiam pertencer às Irmandades de Misericórdia e às Câmaras Municipais, nem casar com “cristãos-velhos”, por causa dos estatutos de “pureza de sangue”. 

Durante a maior parte do período colonial, esteve ativo no Brasil o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estabelecido em Portugal em 1536 e que funcionou na Metrópole até 1821. A conversão dos povos não católicos nas Américas (como as culturas indígenas e pré-colombianas) era uma ação central no processo de expansão dos impérios português e espanhol. A Inquisição enviou Visitações a partir de 1591 e delegou poder aos bispos locais. As mais conhecidas foram as Visitações de 1591-93, na Bahia; 1593-95, em Pernambuco; 1618, na Bahia; em torno de 1627, no Sudeste; e as de 1763 e 1769, no Grão-Pará, norte do país. No século 18, a Inquisição também esteve ativa na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1773, durante o governo do Marquês de Pombal, a diferenciação entre novos e velhos cristãos foi abolida, e a Inquisição deixou de atuar. Apesar de sua ação, uma significativa porosidade social permitiu aos cristãos-novos formas de ascensão social e econômica e estratégias de perpetuar a identidade. 

Segundo Wiznitzer, nos dois séculos e meio de ação da Inquisição no Brasil, cerca de 25 mil pessoas foram processadas por variadas acusações, e 1.500 foram condenadas à morte. Cerca de 400 pessoas acusadas de “práticas judaizantes” foram processadas, a maioria condenada à prisão e 18 à morte, em Lisboa. Três escritores cristãos-novos se destacaram no período colonial com uma obra que revela elementos de expressão judaica: Bento Teixeira, com a Prosopopéia; Ambrósio Fernandes Brandão, autor de Diálogos das Grandezas do Brasil (ambos do séc. 16); e o teatrólogo Antônio José da Silva, “o Judeu”, que viveu parte da vida em Portugal, parte no Brasil, tornou-se um dos mais conhecidos autores de teatro e foi condenado à morte pela Inquisição, em 1739. O antissemitismo da Inquisição permaneceu no imaginário do país, embora sem ligação objetiva com a história moderna e contemporânea das comunidades judaicas que começaram a se estabelecer no Brasil a partir do século 19 e, principalmente, no século 20. 

A primeira comunidade judaica organizada foi formada em Recife, Pernambuco, na região Nordeste do território, entre 1630 e 1654, durante o período de ocupação colonial holandesa, que permitiu a liberdade de religião e defendeu legalmente judeus e cristãos-novos das restrições impostas por Portugal. Segundo Wiznitzer, o número de judeus teria chegado, em 1644, a 1.450. Em 1636, os judeus fundaram em Recife a primeira sinagoga em solo brasileiro (e em todas as Américas): Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel). Com a expulsão dos holandeses em 1654, encerrou-se este capítulo da história judaica no país. 

Após a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião de Estado, mas proclamou a tolerância com relação a outras religiões e cultos realizados em espaços privados. Algumas dezenas de judeus vieram ao Brasil neste período. D. Pedro II, que assumiu o trono em 1832, era interessado por judaísmo, foi um hebraísta, mantendo correspondências com ilustres judeus de sua época e tendo visitado a Terra Santa em uma de suas viagens internacionais. 

A segunda comunidade judaica organizada no país foi fundada em Belém, a partir da imigração de judeus do Marrocos. Atraídos pela riqueza da borracha, estabeleceram a sinagoga Shaar Hashamain em torno de 1824. Em 1842, foi fundado um cemitério judaico em Belém. Um novo ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20, atraiu mais imigrantes e formou núcleos judaicos em diversas localidades da Amazônia, como Itacoatiara, Cametá, Paratintins, Óbidos, Santarém, Humaitá e outras. Imigrantes judeus chegaram também a cidades como o Rio de Janeiro, onde fundaram, em 1840-50, a União Shel Guemilut Hassadim e, em 1867, a Alliance Israélite Universelle. Também para São Paulo houve um pequeno afluxo de imigrantes originários da Alsácia-Lorena. 

A Constituição Republicana de 1891 garantiu a separação entre Estado e Igreja e proclamou a liberdade de religião, introduzindo o casamento civil e os cemitérios laicos. A primeira imigração organizada no século 20 se deu no Rio Grande do Sul. Através da Jewish Colonization Association (JCA) e de acordos com o governo do Estado, centenas de imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias que foram instaladas na Argentina, a partir de 1893. A primeira colônia, de 4.472 hectares, se estabeleceu em Philippson, na região de Santa Maria, em 1904, com 37 famílias originárias da Bessarábia. 

A partir dos anos da Primeira Guerra Mundial e até os anos 1920-30, imigrantes judeus da Europa Oriental e Ocidental e do Oriente Médio formaram comunidades estruturadas nas principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Pequenos núcleos formaram-se em dezenas de cidades do interior, acompanhando principalmente os ciclos econômicos. Em muitos locais, tiveram o apoio de entidades internacionais, principalmente JCA, Joint, Emigdirect e Hias. 

Na época da Primeira Guerra Mundial, a população judaica do país atingiu entre cinco e sete mil pessoas. Nas décadas de 1920 e 1930, imigraram ao país cerca de 30 mil judeus, chegando seu número a cerca de 56 mil nos anos 1930. De acordo com estatísticas oficiais, a população judaica por Estado era a seguinte, para os anos 1900, 1940 e 1950: São Paulo (226; 20.379; 26.443), Rio de Janeiro (25; 22.393, 33.270), Rio Grande do Sul (54, 6.619, 8.048), Bahia (17, 955, 1.076), Paraná (17, 1.033, 1.340) e Minas Gerais (37, 1.431, 1.528). Em Pernambuco, em 1920 havia cerca de 150 famílias. 

Desde o final do século 19, e em especial após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil tornara-se um “país de imigrantes”, em um ambiente de tolerância religiosa, intensa permeabilidade social e cultural e oportunidades de ascensão econômica, que não foi bloqueada por manifestações de preconceito e racismo. Desde os anos 1880 e até os anos 1940, o Brasil recebeu cerca de quatro milhões de imigrantes (dos quais 65 mil judeus, até 1942). 

Estes imigrantes, com sua cultura e seu dinamismo social e econômico, participaram do desenvolvimento do país. Além da liberdade religiosa oficial, a legislação brasileira era tolerante com imigrantes europeus, e havia brechas que permitiam a entrada de mais imigrantes, apesar da burocracia legal e da necessidade de “cartas de chamada”. A partir dos anos 1920, o Brasil tornara-se um destino desejável e viável, dadas as restrições e quotas impostas pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Na década de 1920, mais de 10% dos judeus que emigraram da Europa escolheram o Brasil como destino e, entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus. 

A organização comunitária foi outro fator decisivo para uma inserção bem sucedida. Nos núcleos urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Santos havia organizações assistenciais, sinagoga, escola, cemitério, entidades cultuais e recreativas, movimentos políticos e imprensa. Em 1929, existiam 25 escolas judaicas no país. Em São Paulo, por exemplo, nos anos 1920 a 1930 havia seis diferentes entidades assistenciais na comunidade que ofereciam todo o apoio necessário aos imigrantes, desde a chegada no porto, assistência a mulheres grávidas, até mesmo um aporte capital para começar um trabalho, em geral mascatear mercadorias. 

A vida comunitária se desenvolvia também em torno da sinagoga, dos clubes sociais, esportivos e culturais, de movimentos políticos e uma imprensa ativa. Muitos imigrantes judeus urbanos trabalharam como mascates, mas também como artesãos e comerciantes; outros se tornaram industriais em ramos como o têxtil e o de móveis. Mais tarde, a partir dos anos 1960, uma significativa parcela passou a exercer atividades de profissionais liberais, como médicos, administradores, engenheiros, professores universitários, jornalistas, editores, psicólogos e demais profissões. 

No Brasil, as mulheres têm sido muito ativas na comunidade, em instituições como a Wizo e a Naamat Pioneiras, fundando e dirigindo entidades assistenciais, que protegiam as mulheres e as crianças, e também como voluntárias na área assistencial, como no caso do Departamento de Voluntárias do Hospital Israelita Albert Einstein. 

As comunidades mantinham intensa atividade política, com movimentos de esquerda e partidos sionistas, e diversas combinações entre eles. O 1° Congresso Sionista no Brasil deu-se em 1922, reunindo quatro movimentos: Ahavat Sion (São Paulo), Tiferet Sion (Rio de Janeiro, de 1919), Shalom Sion (Curitiba) e Ahavat Sion (Pará), que fundaram a Federação Sionista do Brasil. Um ano antes, em 1921, um delegado brasileiro participou do 12° Congresso Sionista, em Karlbad. Em 1929, uma eleição para escolher o delegado brasileiro ao 16° Congresso Sionista contou com dois candidatos que tiveram, na soma, 1.260 votos, e em 1934, para o 18° Congresso, o total de votos foi de 2.647 votos. 

Os movimentos de esquerda também foram significativos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O denso movimento dos judeus de esquerda no Rio de Janeiro se aglutinou em torno da Biblioteca Scholem Aleichem, da Brazkcor, Sociedade Brasileira Pró-Colonização Judaica na União Soviética, e do Centro Operário Morris Vinchevsky. Em São Paulo, havia os grupos Cultura e Progresso e, já em 1954, o Instituto Cultural israelita Brasileiro (Icib), a Casa do Povo, de tendência comunista, junto ao Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib). A língua e a cultura idiche foram um aglutinador importante destes movimentos. 

O primeiro jornal judaico editado em idiche no Brazil foi Di Menscheit, em 1915 em Porto Alegre, e as comunidades nas várias cidades mantiveram uma intensa atividade de imprensa, de teatro e cultural em geral. Em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro os judeus se concentraram em bairros definidos: Bom Retiro, Bonfim e Praça Onze, respectivamente, que tem seus cronistas e escritores, como Eliezer Levin, Samuel Malamud e Moacyr Scliar (este último a mais importante expressão literária judaica no país). 

Nos anos 1920 e 1930, vivendo concentrados em alguns poucos núcleos urbanos e com uma atividade econômica, social e cultural pública, os judeus se tornaram um dos grupos de imigrantes “mais visíveis”, segundo a expressão do historiador Jeff H. Lesser e, assim, passaram a ser parte do jogo e do interesse político local, nacional e internacional, com o surgimento de estereótipos e manipulação política, especialmente durante o regime Vargas (1930-1945), quando se criou no país uma “questão judaica”, envolvendo interesses políticos, restrições e leis que proibiram formalmente a imigração judaica ao Brasil, com as circulares secretas do Itamaraty, restringindo a entrada de refugiados judeus mesmo durante a guerra. O golpe do Estado Novo, em 1937, foi dado por Vargas com o pretexto forjado de que um plano de revolução comunista estava em marcha, o “Plano Cohen”, com evidente ressonância judaica. 

Apesar disso, a imigração judaica continuou, principalmente através de negociações caso a caso, mas não de forma organizada por meio de entidades assistenciais. Cerca de 17.500 judeus entraram no país entre 1933 e 1939, mas muitos refugiados da Europa ocupada pela Alemanha nazista tiveram o visto negado e tiveram como destino o extermínio no Holocausto. Nesse período, houve diplomatas que salvaram judeus, como o embaixador Souza Dantas. 

Durante os anos do Estado-Novo (1937) e da Segunda Guerra Mundial, um clima geral de xenofobia estava presente em círculos do governo e em setores de suas elites políticas e intelectuais. O ensino de línguas estrangeiras e a publicação de jornais em línguas estrangeiras foi banido, e as organizações de imigrantes tiveram que “nacionalizar” seus nomes e eleger diretorias com brasileiros natos. Como regra, estas foram restrições impostas a todos os grupos imigrantes. Não obstante a ditadura e o clima nacionalista xenófobo, as organizações judaicas adequaram-se à legislação e souberam enfrentar as restrições sem deixar de funcionar. As escolas continuaram a ensinar hebraico e cultura judaica, as sinagogas mantiveram seus cultos, programas de rádio tocavam músicas judaicas e inúmeras organizações foram fundadas neste período. O antissemitismo não significou ações públicas contra os judeus dentro do Brasil e os que conseguiram imigrar. 

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as comunidades participaram das campanhas em prol do esforço de guerra do Brasil, que rompeu relações com o Eixo em agosto de 1942, seguindo uma política de alinhamento com os Estados Unidos e com os Aliados. A comunidade judaica do Brasil doou cinco aviões para a recém criada Aviação Militar do Brasil, em 1942, e criou vários comitês para auxiliar os refugiados de guerra na Europa, alguns ligados à Cruz Vermelha. Também durante a guerra, várias campanhas foram realizadas em prol dos refugiados na Europa. Em julho de 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com mais de 30 mil homens. Havia 42 judeus na FEB, entre eles o artista plástico Carlos Scliar, que publicou depois um Álbum de Guerra e Boris Schnaiderman, que publicou Guerra em Surdina, romance testemunhal da FEB. 

Entre 1933 e 1938, esteve ativo no Brasil o movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Mimetizando o fascismo, o Integralismo tinha uma plataforma antissemita. Gustavo Barroso, o chefe das milícias, era o principal pregador antissemita. Traduziu “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e fez várias versões adaptadas ao Brasil, entre elas “A Sinagoga Paulista”, “Brasil, colônia de banqueiros” e “História secreta do Brasil”. No principal jornal integralista, Barroso, também membro da Academia Brasileira de Letras, mantinha a coluna “Judaísmo internacional”. No entanto, não há registros documentados de ações e violência aberta contra as comunidades judaicas. Em Curitiba, Baruch Schulman escreveu, em 1937, Em Legítima Defesa, uma publicação em defesa dos judeus. Em Belo Horizonte, Isaías Golgher criou um Comitê Anti-Integralista. Um grupo de intelectuais brasileiros, apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA) e pela companhia Klabin, publicou em 1933 um livro em defesa dos judeus chamado Por que ser antissemita?Um inquérito entre intelectuais brasileiros. 

Em São Paulo, em 1946, foi fundada Federação Israelita do Estado de São Paulo, de linha sionista, para organizar a imigração do pós-guerra dos judeus refugiados na Europa para o Brasil. O movimento sionista, que havia sido inativo durante aqueles anos, ressurgiu e passou a ter atuação pública. A militância judaica de esquerda também voltou a ser muito ativa, inclusive nas fileiras do Partido Comunista. Em 1948, foi fundada a Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do Brasil – depois Confederação Israelita do Brasil (Conib). 

O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembléia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.

O texto acima é do historiador Roney Cytrynowicz.

Bibliografia básica: 

- Calaça, Carlos Eduardo e Maio, Marcos Chor. “Cristãos Novos e Judeus: Um Balanço da Bibliografia sobre o Antissemitismo no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n° 49, 1° semestre de 2000, pp. 15-50 
- Cytrynowicz, Roney. Verbete “Brazil”. Encylopaedia Judaica, Gale/Keter Publishing House, 2006. 
- Falbel, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo, Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984 
- Lesser, Jeffrey H. Welcoming the Undiserables: Brazil and the Jewish Question. University of California Press, 1995 
-Lesser, Jeffrey H. Pawns of the Powerfull. Jewish Immigration to Brazil 1904-1945. Tese (PhD em História). New York University, 1989 
-Maio, Marcos Chor. “Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30”. In: Pandolfi, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 239 e 239 
-Malamud, Samuel. Documentário. Contribuição judaica à memória da comunidade judaica brasileira. São Paulo, Imago, 1992 
-Milgram, Avraham. Os judeus do Vaticano. A tentativa de salvação de católicos – não-arianos – da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942) 
-Rattner, Henrique. Tradição e Ruptura (A comunidade judaica em São Paulo). São Paulo, Ática, 1977
- Wiznitzer, Arnold. Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, Edusp/Pioneira, 1960
 

A IMIGRAÇÃO JUDAICA NO BRASIL

A comunidade judaica tal qual a conhecemos hoje é fruto da imigração que se iniciou no século 19 e se intensificou no século 20, atingindo o seu auge entre os anos 1926 e 1942 quando mais de 50 mil judeus entraram no Brasil. No entanto, é possível identificar a presença judaica no Brasil desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral, em 1500, nas quais já figuravam cristãos-novos. Este tema será desenvolvido no capítulo 4.

No século 19, judeus do Marrocos chegaram à Amazônia e se instalam em Belém, cidade portuária, Manaus e nas cidades dos afluentes do rio Amazonas. Para a então capital do Império e, após 1822, da Republica, o Rio de Janeiro, vieram os judeus da Alsácia – Lorena, asquenazitas, e também alguns sefaraditas. Já no século 20, nas cidades de Recife e Salvador, na região Nordeste, formaram-se comunidades asquenazitas, com judeus oriundos da Europa Oriental.

No Sul, seja nas colônias do Barão Hirsch, em Porto Alegre e em Curitiba, e também nas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, se estabelecem comunidades asquenazitas com judeus vindos da Rússia, Bessarábia e Polônia.

A imigração sefaradita se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano. Aportaram por aqui os chamados “turcos”, entre eles os judeus, que se instalaram principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1930, foram os alemães que vieram, principalmente para Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em finais dos anos 1950, chegaram os húngaros e os egípcios, que se instalaram sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. Já nos anos 1970, uma leva de judeus libaneses veio principalmente de São Paulo, então centro econômico incontestável do país.

O Brasil atrai no século 21 judeus oriundos da América Latina, que deixam seus países em momentos de crise política ou econômica.
 

Características da imigração contemporânea

a) Asquenazitas e Sefaraditas

Não há um consenso sobre qual comunidade é maior:  asquenazitas ou sefaraditas. Do ponto de vista étnico-cultural, os judeus da Amazônia – sefaraditas - mantiveram sua identidade, devido principalmente ao seu isolamento geográfico. Isso, no entanto, vem mudando nas últimas décadas, com a chegada da ortodoxia asquenazita na região. No Sul, em Porto Alegre, a cultura asquenazita - tradicional ou liberal - sempre foi predominante, com presença minoritária sefaradita. A cultura asquenazita foi e é predominante também em outras capitais.

Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, que atraíram o maior número de imigrantes e concentram as duas maiores comunidades do Brasil, talvez seja diferente. Sempre houve um equilíbrio numérico entre asquenazitas e sefaraditas. Por décadas, os dois grupos não se “misturavam”, e casamentos exogâmicos entre “gringos” e “turcos” eram malvistos, desestimulados, proibidos.  Passadas duas, três, quatro gerações, essas diferenças quase desapareceram, mas ainda não podemos dizer que a fronteira entre asquenazitas e sefaraditas deixou de existir.

b) Iidichistas e Sionistas

Para um grande número de imigrantes judeus, era imprescindível se reunir para além dos marcos nacional e regional: a participação nos grandes temas da política judaica era fundamental. Assim, surgiram organizações idichistas de esquerda em contraponto aos judeus sionistas. Entre as primeiras, destacamos a mais antiga delas, fundada no Rio de Janeiro: a Biblioteca Israelita Brasileira Scholem Aleichem que depois se tornou Associação Scholem Aleichem, ativa até hoje.  

Em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Instituto Cultural Israelita Brasileira – A Casa do Povo, abrigou o Teatro de Arte Israelita Brasileiro – TAIB, o Colégio Scholem Aleichem, o clubinho I.L. Peretz, dois corais, um em iídiche, outro em português, a administração da colônia de férias Kinderland, e a edição do jornal “Nossa Voz”. Seu auge foi nos anos 1960-1970, com uma retomada na década de 2010.

Em Porto Alegre o Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, estabelecido em 1985 e herdeiro do iidichismo, é muito ativo e uma importante referência cultural na cidade, mantendo um Departamento de Memória com publicações, biblioteca e um bem-organizado arquivo da imigração no Estado.

Os sionistas criaram em 1913, no Rio de Janeiro, a associação Tiferet Tzion e, nos anos seguintes, outras entidades em capitais como São Paulo, Belém do Pará e Curitiba. Em 1916, David José Perez fundou na então capital federal o jornal sionista A Columna. Em 1921, o movimento foi representado pela primeira vez em um Congresso Sionista Mundial.  Em novembro de 1922, na 1ª Conferência Territorial Sionista, realizada no Rio de Janeiro, foram propostas resoluções como a implantação de uma educação moderna nacional-hebraica e a criação de escolas judaicas no Brasil.

No final dos anos 1920, as instituições judaicas do Rio de Janeiros e São Paulo, assim como as de outros estados, já estavam se consolidando, e iidichistas e sionistas disputavam as diretorias das principais entidades comunitárias.

Em 1938, durante o Estado Novo (1937-45), período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, os sionistas foram proibidos de exercer suas atividades. Conseguiram, no entanto, prosseguir seu trabalho por meio de diferentes estratégias, não havendo assim, perseguição contra o movimento.

As divergências entre os iidichistas e sionistas se dissiparam com a criação do Estado de Israel, fato que representou um marco na história da comunidade judaica brasileira. A partir de então, a identidade comunitária é fortemente clivada pela questão do engajamento político e afirmação de lealdade ao Estado de Israel.

c) As Colônias do Barão Hirsch e Porto Alegre

As primeiras comunidades judaicas instaladas de forma organizada com recursos europeus no Brasil formaram-se no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século 20, por intermédio da Jewish Colonization Association, em acordos com o governo do Estado. Imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias instaladas na Argentina a partir de 1893. 

Em 1904, enquanto às margens do Kineret se fundava o primeiro Kibutz, o Degania, nas terras frias do Sul do Brasil se estabelecia a primeira colônia gaúcha, Philippson, com 37 famílias originárias da Bessarábia. Ali foi criada, em 1906, a primeira escola judaica no Brasil na qual se ensinou o currículo oficial brasileiro. Em 1912, foi estabelecida a colônia Quatro Irmãos, que chegou a contar com mais de 350 famílias, divididas em quatro núcleos: Quatro Irmãos, Baroneza Clara, Barão Hirsch e Rio Padre.

Em cada um dos núcleos, funcionou uma escola que ensinava o currículo oficial e o judaico. Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. E ainda uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos à companhia num prazo de 10 a 15 anos. Em 1915, a população em Quatro Irmãos atingiu 1.600 pessoas.

Após anos de trabalho árduo, essas colônias foram abandonadas por falta de experiência agrícola, isolamento dos colonos, má qualidade das terras, falta de crédito, conflito de interesses com a JCA, falta de apoio governamental e, finalmente, por um levante militar ocorrido no Rio Grande do Sul, que devastou a região em 1923. Na década de 1920, a maioria dos colonos já havia se mudado para Porto Alegre ou criado pequenas comunidades no interior do Estado.

Hoje, no município em que foram estabelecidas as colônias, Santa Maria, muitos desses pioneiros são homenageados com nomes de rua. O antigo hospital foi tombado como patrimônio histórico e hoje abriga o Museu e Arquivo Histórico das Colônias. O Cemitério de Philippson foi recentemente restaurado e é periodicamente visitado por descendentes desses pioneiros.

Em Porto Alegre, a capital do estado, a comunidade se estabeleceu a partir dos anos 1910. Os imigrantes da Europa Oriental escolheram o bairro do Bom Fim, que passou a ter forte concentração judaica. Lá ocorreu a centralização da vida comunitária, por meio das sinagogas, escolas, sociedades culturais, grupos de jovens, teatro iídiche, bibliotecas, sociedades de amparo aos recém-chegados, clube, armazém, açougue e o primeiro jornal judaico do Brasil publicado em ídiche, Di Menshhait, criado em 1915.

O ishuv de Porto Alegre merece ainda destaque por uma luta emblemática. Em 1989, a cidade foi tomada por uma profusão de livros antissemitas, todos publicados pela editora “Revisão”, de Siegfried Ellwanger. Com relativa repercussão, foi criado em Porto Alegre o Movimento Popular Anti-Racismo - Mopar, aliança entre integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e ativistas judeus, para combater racismo e antissemitismo. O processo aberto pelo Mopar chegou ao Superior Tribunal Federal, que apreciou dois temas: 1) antissemitismo é racismo? 2) a liberdade de expressão abrange a divulgação de escritos de ódio a que se dedicava Ellwanger?  O STF concluiu que o antissemitismo é uma prática de racismo e que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação do racismo. Também apontou que a negação de fatos históricos incontroversos, como o Holocausto, lastreada na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui uma incitação à discriminação. Assim, entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.

Em 2004, o proprietário-editor da editora foi condenado por crime de racismo e antissemitismo. Foi a primeira condenação do antissemitismo pela mais alta corte de Justiça do país, estabelecendo uma importante jurisprudência. 
 

d) Rio de Janeiro

A segunda maior comunidade judaica do Brasil começou a se formar na metade do século 19. Com a proclamação da independência, em 1822, e a relativa liberdade religiosa instaurada pela Constituição de 1824, teve início a chegada de judeus à então capital do país. Antes, entre os séculos 16 e 17, já havia a presença de cristãos-novos no Rio de Janeiro - e também perseguição por parte da Inquisição.

A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.

É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida, da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.

Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam russo, polonês e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. 

Não muito longe dali, na rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.

Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis.

Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.

O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.

Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.

Atualmente, com 22 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.


e) São Paulo

No início do século 20, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a receberem a quase totalidade dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, entre eles os judeus. A capital paulista atraiu muito mais do que qualquer outra capital brasileira, por motivos econômicos: as atividades ligadas ao café, e ao Porto de Santos, as atividades comerciais e financeiras e a incipiente indústria.

Todos estes fatores atraíram os imigrantes. A imigração expressiva do século 20 se iniciou na década de 1910, com judeus oriundos da Rússia, Polônia, Letônia, Lituânia, Bessarábia. Aportavam em Santos e subiam a serra de trem, desembarcando na histórica Estação da Luz. O Bairro de Bom Retiro é logo ali, e lá já estavam imigrantes italianos e espanhóis. A eles se juntaram muito outros até que o Bairro do Bom Retiro se tornasse o Bairro Judaico de São Paulo.

A partir dos anos 1920, chegaram os judeus Sefaraditas e se instalam no tradicional bairro Mooca, junto com os operários italianos e espanhóis. Lá, fundaram duas sinagogas: a dos oriundos de Sidon e a dos originários de Beirute. Muitos chegaram com muito pouco para recomeçar a vida. Outros chegaram com posses e puderam ajudar. A rede de solidariedade ajudar na busca de trabalho, moradia, roupa, pelas famílias ou via associações beneficentes.

Assim como nas outras capitais, a coletividade paulista se organizou em sociedades de assistências de auxílio. Logo em 1915 foi fundada a Ezra, em seguida a Linat Tzedek, o Lar das Crianças, a Gota de Leite. Ao longo dos anos estas instituições foram se unindo, até que em 1976 formou-se a Unibes - União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social, já com um centenário de atividade. Sua sede ainda é no Bom Retiro e entre seus assistidos há grupos de idosos da coletividade judaica. Mas há algumas décadas seu foco principal é o atendimento à população não judaica carente do entorno.

Os judeus se espalharam por bairros centrais e mais nobres da cidade, e precisaram de uma nova sinagoga; o Templo Beth El, foi construído no período de 1927-1932, em estilo bizantino, seguia o rito asquenazita mas estava aberta e aceitava rabinos das mais diversas proveniências. Teve seu auge até os anos 1960, quando em no início dos anos 2000 foi assinado o acordo para a criação do Museu Judaico de São Paulo que deve ser o maior da América Latina. O museu deverá também integrar o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro que tem o compromisso de preservar a memória da presença judaica no Brasil.

Até as décadas de 1950-60, a vida judaica de São Paulo se concentrava no bairro do Bom Retiro. A comunidade asquenazita, inclusive a ortodoxa, vivia e trabalhava lá. Os movimentos juvenis Dror, Shomer Hatzair, Ichud habonim, escolas sionistas, ortodoxa e ídichista, Chevra Kadisha, todas as associações beneficentes, o escritório da Organização Sionista Unificada, a cooperativa de crédito popular e incontáveis sinagogas se espalhavam pelas ruas do bairro.

Os judeus sírios e libaneses, ou “turcos”, que estabeleceram seus negócios na região da rua 25 de Março, conviveram ali com seus conterrâneos cristãos por longas décadas. Hoje, os chineses os substituíram, assim como, no Bom Retiro, os coreanos tomaram o lugar dos poloneses, russos e lituanos.

Para reforçar a colônia sírio-libanesa, chegaram os judeus de Aleppo, sob a liderança de Jacob Elie Safra, e fundaram em 1964 a Congregação Sefaradi Paulista. Ele faleceu antes do termino da obra, e a Sinagoga ganhou o nome de Beit Yaacov. Esse foi apenas o início de um projeto religioso, educativo e cultural que consiste hoje em duas sinagogas, um corpo de rabinos encabeçados pelo Rabino David Weitman (asquenazita do movimento Lubávitch), o movimento juvenil Netzach, a revista Morashá, o Instituto Morashá de Cultura e a Escola Beit Yaacov, a única escola judaica bilíngue do Brasil, que se destaca no país por sua qualidade de ensino.

Higienópolis é hoje o bairro com maior população judaica. Nos anos 1930/40, era ocupado pelos barões do café, hoje vivem lá além dos herdeiros da elite paulista os judeus. Primeiramente vieram os sefaraditas, depois os asquenazitas e, nas duas últimas décadas, os ortodoxos nas suas mais diversas nacionalidades. O bairro dispõe de 11 sinagogas, uma yeshivá, cinco escolas judaicas, restaurantes, inclusive um de culinária japonesa, serviços de catering, açougues, padaria e mercearias de produtos kasher, uma editora e livraria judaica. Encontramos em Higienópolis a maior variedade de etnias judaicas em São Paulo. A vida judaica no bairro de Higienópolis é tão intensa que nos últimos anos o rabinato do distrito estabeleceu ali um eruv.

O crescimento econômico da cidade proporcionou o fortalecendo das instituições judaicas e a criação de novas. O Hospital Israelita Albert Einstein, fundado em 1955, tornou-se referência e é hoje o hospital privado mais moderno da América Latina. Além disso, possui um programa de assistência social em uma favela próxima.

Em 1969, a Universidade de São Paulo instituiu o Centro de Estudos Judaicos, uma iniciativa da Federação Israelita do Estado de São Paulo e de uma comissão de professores. Ele passou a funcionar como centro complementar do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Seu objetivo: divulgar o legado da cultura e da ética judaica no meio acadêmico e na sociedade. Neste departamento, foi regulamentado em 1989 o Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica.

Em dois séculos de imigração, o judeu encontrou seu lugar, aprendeu a língua, construiu um lar para sua família, progrediu economicamente, se integrou à cultura brasileira e, de geração em geração, incorporou as causas e as questões brasileiras. Nos anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), dez militantes judeus foram mortos pela repressão. O caso mais emblemático é o de Vladimir Herzog (Iugoslávia 1937- São Paulo 1975). Diretor de telejornalismo da TV Cultura – a rede pública do Estado de São Paulo - era militante comunista. Vlado, como era chamado pelos brasileiros, se apresentou para um interrogatório, foi torturado e morto nas dependências do Exército. A versão oficial: suicídio por enforcamento. No entanto, uma foto deixava claro que ele não havia se enforcado.

O funcionário da Chevra, sob as ordens do rabino Henry Sobel, insistiu com militares para examinar o corpo de Vlado e verificou que ele tinha muitas marcas de hematoma, indicando que havia sido violentamente torturado: a farsa do suicídio caía por terra.

Em outubro de 1975, Sobel, um jovem rabino recém-chegado dos Estados Unidos e defensor dos direitos humanos, recusou-se a enterrar Vladimir Herzog na ala dos suicidas. Por sua insistência e intrometimento, foi ameaçado pelos generais. Buscou e teve o apoio do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Ali se iniciou uma parceria que duraria 40 anos.

Dias após o enterro, um ato ecumênico foi organizado na Catedral da Sé, com líderes religiosos judeus, católicos, protestantes e umbandistas. Estavam presentes dentro da Catedral familiares e amigos, políticos e sindicalistas. Do lado de fora, a Praça da Sé lotou, apesar da censura da imprensa, e uma multidão silenciosa e apreensiva se aglomerou no que foi chamado por historiadores e especialistas como o início do processo de redemocratização brasileira. A ditadura ainda demoraria 10 anos para acabar.

O rabino Sobel (Lisboa, 1944) sucedeu o rabino Dr. Fritz Pinkuss na presidência da Congregação Israelita Paulista, onde ficou até 2007. Foi um notável porta-voz da comunidade judaica e estabeleceu diálogo com os cristãos e outras religiões. Sua atuação levou-o a ser considerado a maior liderança judaica do Brasil, no período entre 1970-2010.


f) Judeus na Amazônia - Belém e Manaus

No início do século 19, a Inglaterra fazia sua Revolução Industrial, e Napoleão invadia a Europa difundindo os valores da Revolução Francesa. A Família Real Portuguesa, diante da invasão napoleônica, fugiu em 1808 para o Rio de Janeiro e abriu para os ingleses as fronteiras comerciais. Éramos então uma sociedade agrária e escravocrata.

Em 1821, o Tribunal do Santo Oficio foi extinto e a liberdade de culto permitida, para atender soldados e comerciantes ingleses, protestantes. Isso serviu de atrativo para os judeus do Marrocos tentarem uma nova vida no Brasil.

Uma primeira leva de imigrantes veio em 1810. O fato de ser uma cidade portuária foi determinante para que Belém crescesse como a primeira comunidade judaica da Amazônia. Os imigrantes eram principalmente homens solteiros, que trabalharam no comércio nas cidades ribeirinhas dos afluentes do rio Amazonas: os regatões, como são chamados no Norte do Brasil, ou mascates, como são chamados no Sul e no Nordeste.

Eles logo precisaram de reforços e chamaram seus conterrâneos, rapazes que haviam acabado de fazer o bar mitzvá, e em seguida chamavam suas esposas, ou suas prometidas. Nesse período, estima-se que 300 famílias se instalaram na Amazônia.

Em 1824, a comunidade fundou a primeira sinagoga de Belém, Eshel Avraham e, em 1835, a Shaar Ha Shamaim, dando forma oficial à comunidade da capital e aos inúmeros núcleos judaicos espalhados nas localidades interioranas. Essas duas sinagogas se mantêm ativas ininterruptamente até os dias de hoje.

A partir da segunda metade do século 19, a região prosperou com o ciclo da Borracha (1860-1910), e houve um aumento do fluxo migratório de judeus marroquinos. Belém e Manaus tomaram ares de metrópoles, com construções de grandes edifícios em estilo Art - Nouveau como o Teatro da Paz, em Manaus e o Mercado Municipal Ver-o-Peso, em Belém. Nesta segunda fase da imigração, estima-se que mais 700 famílias aportaram na região.

O isolamento geográfico, aliado à homogeneidade dos marroquinos, a pouca influência de outros grupos judaicos e as trocas culturais com a população local são alguns dos fatores que fazem do judaísmo da Amazônia algo diferenciado dentro do judaísmo do Brasil e da diáspora como um todo. Os costumes e tradições do Marrocos ainda se mantêm, mesmo com a chegada de judeus asquenazitas no período entre-guerras. Estes se adequaram ao estilo marroquino dos judeus da Amazônia. 

A comunidade de Belém chega ao século 21 com 1300 membros, lutando para manter ativas suas instituições, clubes, sinagogas, movimentos juvenis. À frente das duas sinagogas estão rabinos formados na linha ortodoxa, porém filhos da própria comunidade.  

g) Presença judaica no Brasil Colônia - Recife

É possível identificar a presença judaica no Brasil desde seu descobrimento, em 1500. Nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, já havia cristãos-novos. Em Portugal, durante o período de expansão ultramarina iniciado no século 15, havia judeus ligados às ciências e às artes da navegação. Os primeiros judeus nestas terras foram os expulsos de Portugal em 1496, que escolheram aqui seu refúgio, mesmo tendo passado pela conversão forçada, pois acreditavam que aqui estariam a salvo das perseguições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

De fato, o Tribunal da Inquisição não se instalou no Brasil Colônia de forma permanente, mas enviou “visitações”; estas perseguiam o que se considerava práticas “judaizantes”. As ações da Inquisição no Brasil foram menos sistemáticas e frequentes do que em Portugal, onde a instituição vigorou até 1821.

No período entre 1500 a 1822, o Brasil foi o destino de milhares de cristãos-novos que, no entanto, não constituíram comunidades organizadas. Eles se estabeleceram no Nordeste, nos estados de Pernambuco e Bahia, e eram sobretudo, senhores de engenhos de cana-de-açúcar, comerciantes ou exportadores de açúcar.

Em 1630, O Brasil foi invadido pelos holandeses, e o conde Mauricio de Nassau começou a construção do que seria a atual cidade de Recife, capital de Pernambuco. A Companhia das Índias Orientais, que explorou os mais de 120 engenhos de açúcar existentes em Pernambuco, era integrada por muitos judeus holandeses. O encontro destes com os cristãos-novos de Pernambuco, em nova realidade de liberdade religiosa proporcionada pelo governo holandês, fez com que surgisse em Recife a primeira e maior comunidade judaica organizada das Américas.

No período de domínio holandês, entre 1630 e 1654, construíram a primeira sinagoga do Novo Mundo, a Kahal Zur Israel, e também a segunda, a Maguen Abraham, cujo primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), que chegou ao Recife em 1641 e lá ficou por 13 anos. 

Durante o governo de Nassau, Recife foi considerada a mais cosmopolita cidade das Américas. Em 1654, foi reconquistada pelos portugueses, e a liberdade culto foi revogada. Alguns judeus holandeses partiram para a América do Norte e ajudaram a fundar Nova Amsterdã, atual Nova York.

A atual comunidade judaica do Recife se formou no século 20, com imigrantes vindos da Europa Oriental, majoritariamente asquenazitas. Fundaram sua primeira sinagoga em 1926, ativa até hoje, e uma escola, a Idishe Schul. Nos anos 1930, os sefaraditas se somaram à comunidade existente e inauguram sua própria sinagoga, que funcionou até a década de 1960.

Em 1992, foi fundado o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco no edifício onde funcionou a antiga sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, na antiga “Rua dos Judeus”. A sinagoga foi restaurada e, em 18 de março de 2002, reinaugurada. A data de 18 de março foi escolhida para ser o Dia Nacional da Imigração Judaica, em lei federal sancionada em 2009.

 
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História dos Judeus no Brasil
 

A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, atrás da Argentina e à frente do México, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população.

Os judeus se concentram sobretudo nas regiões sul e sudeste. As duas mais importantes comunidades do Brasil, confirmadas pelos dados do Censo do IBGE de 2010, estão nas cidades de São Paulo, com 44 mil pessoas, e Rio de Janeiro, com 22 mil. Na região Sul, a cidade de Porto Alegre entra neste século sem perder a vitalidade de suas instituições, uma comunidade de 7.000 judeus. A região Norte merece destaque por sua longevidade. A comunidade de Manaus tem 1.200 membros, e a mais antiga comunidade judaica do Brasil, em Belém do Pará, tem 1.300 membros. No Nordeste, a comunidade do Recife conta com 1.300 membros. Veja mais abaixo verbetes especiais sobre as comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus.

INTRODUÇÃO

A história judaica no Brasil pode ser estudada por meio de quatro marcos distintos:

1) a presença de cristãos-novos e a ação da Inquisição durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822); 
2) a formação de uma comunidade judaica em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, no século 17, durante o período de invasão e domínio holandês, que propiciou liberdade religiosa para os judeus; 
3) o período moderno (1822-1889), no qual houve uma abertura para a aceitação de outras religiões e começou uma esparsa imigração em várias cidades. A primeira comunidade judaica no período moderno formou-se em Belém. Outra, posteriormente, no Rio de Janeiro; 
4) o período contemporâneo (em 1889, o Brasil adotou uma Constituição que garantia a liberdade de religião), quando se formaram comunidades em colônias agrícolas no Rio Grande do Sul (principalmente a partir da primeira década do século 20), e comunidades organizadas em algumas das principais cidades do Brasil (a partir da Primeira Guerra Mundial). 

No período colonial (1500-1822), milhares de portugueses cristãos-novos vieram ao Brasil, mas não constituíram comunidades judaicas organizadas.

Até a proclamação da independência, em 1822, o catolicismo era a religião oficial e não havia liberdade para a prática de outras religiões. Os cristãos-novos participaram da vida colonial, social, cultural e economicamente, com destaque para os engenhos de açúcar na Bahia, Paraíba e Pernambuco. Sua ascensão social e econômica enfrentava restrições. Não podiam pertencer às Irmandades de Misericórdia e às Câmaras Municipais, nem casar com “cristãos-velhos”, por causa dos estatutos de “pureza de sangue”. 

Durante a maior parte do período colonial, esteve ativo no Brasil o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estabelecido em Portugal em 1536 e que funcionou na Metrópole até 1821. A conversão dos povos não católicos nas Américas (como as culturas indígenas e pré-colombianas) era uma ação central no processo de expansão dos impérios português e espanhol. A Inquisição enviou Visitações a partir de 1591 e delegou poder aos bispos locais. As mais conhecidas foram as Visitações de 1591-93, na Bahia; 1593-95, em Pernambuco; 1618, na Bahia; em torno de 1627, no Sudeste; e as de 1763 e 1769, no Grão-Pará, norte do país. No século 18, a Inquisição também esteve ativa na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1773, durante o governo do Marquês de Pombal, a diferenciação entre novos e velhos cristãos foi abolida, e a Inquisição deixou de atuar. Apesar de sua ação, uma significativa porosidade social permitiu aos cristãos-novos formas de ascensão social e econômica e estratégias de perpetuar a identidade. 

Segundo Wiznitzer, nos dois séculos e meio de ação da Inquisição no Brasil, cerca de 25 mil pessoas foram processadas por variadas acusações, e 1.500 foram condenadas à morte. Cerca de 400 pessoas acusadas de “práticas judaizantes” foram processadas, a maioria condenada à prisão e 18 à morte, em Lisboa. Três escritores cristãos-novos se destacaram no período colonial com uma obra que revela elementos de expressão judaica: Bento Teixeira, com a Prosopopéia; Ambrósio Fernandes Brandão, autor de Diálogos das Grandezas do Brasil (ambos do séc. 16); e o teatrólogo Antônio José da Silva, “o Judeu”, que viveu parte da vida em Portugal, parte no Brasil, tornou-se um dos mais conhecidos autores de teatro e foi condenado à morte pela Inquisição, em 1739. O antissemitismo da Inquisição permaneceu no imaginário do país, embora sem ligação objetiva com a história moderna e contemporânea das comunidades judaicas que começaram a se estabelecer no Brasil a partir do século 19 e, principalmente, no século 20. 

A primeira comunidade judaica organizada foi formada em Recife, Pernambuco, na região Nordeste do território, entre 1630 e 1654, durante o período de ocupação colonial holandesa, que permitiu a liberdade de religião e defendeu legalmente judeus e cristãos-novos das restrições impostas por Portugal. Segundo Wiznitzer, o número de judeus teria chegado, em 1644, a 1.450. Em 1636, os judeus fundaram em Recife a primeira sinagoga em solo brasileiro (e em todas as Américas): Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel). Com a expulsão dos holandeses em 1654, encerrou-se este capítulo da história judaica no país. 

Após a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião de Estado, mas proclamou a tolerância com relação a outras religiões e cultos realizados em espaços privados. Algumas dezenas de judeus vieram ao Brasil neste período. D. Pedro II, que assumiu o trono em 1832, era interessado por judaísmo, foi um hebraísta, mantendo correspondências com ilustres judeus de sua época e tendo visitado a Terra Santa em uma de suas viagens internacionais. 

A segunda comunidade judaica organizada no país foi fundada em Belém, a partir da imigração de judeus do Marrocos. Atraídos pela riqueza da borracha, estabeleceram a sinagoga Shaar Hashamain em torno de 1824. Em 1842, foi fundado um cemitério judaico em Belém. Um novo ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20, atraiu mais imigrantes e formou núcleos judaicos em diversas localidades da Amazônia, como Itacoatiara, Cametá, Paratintins, Óbidos, Santarém, Humaitá e outras. Imigrantes judeus chegaram também a cidades como o Rio de Janeiro, onde fundaram, em 1840-50, a União Shel Guemilut Hassadim e, em 1867, a Alliance Israélite Universelle. Também para São Paulo houve um pequeno afluxo de imigrantes originários da Alsácia-Lorena. 

A Constituição Republicana de 1891 garantiu a separação entre Estado e Igreja e proclamou a liberdade de religião, introduzindo o casamento civil e os cemitérios laicos. A primeira imigração organizada no século 20 se deu no Rio Grande do Sul. Através da Jewish Colonization Association (JCA) e de acordos com o governo do Estado, centenas de imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias que foram instaladas na Argentina, a partir de 1893. A primeira colônia, de 4.472 hectares, se estabeleceu em Philippson, na região de Santa Maria, em 1904, com 37 famílias originárias da Bessarábia. 

A partir dos anos da Primeira Guerra Mundial e até os anos 1920-30, imigrantes judeus da Europa Oriental e Ocidental e do Oriente Médio formaram comunidades estruturadas nas principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Pequenos núcleos formaram-se em dezenas de cidades do interior, acompanhando principalmente os ciclos econômicos. Em muitos locais, tiveram o apoio de entidades internacionais, principalmente JCA, Joint, Emigdirect e Hias. 

Na época da Primeira Guerra Mundial, a população judaica do país atingiu entre cinco e sete mil pessoas. Nas décadas de 1920 e 1930, imigraram ao país cerca de 30 mil judeus, chegando seu número a cerca de 56 mil nos anos 1930. De acordo com estatísticas oficiais, a população judaica por Estado era a seguinte, para os anos 1900, 1940 e 1950: São Paulo (226; 20.379; 26.443), Rio de Janeiro (25; 22.393, 33.270), Rio Grande do Sul (54, 6.619, 8.048), Bahia (17, 955, 1.076), Paraná (17, 1.033, 1.340) e Minas Gerais (37, 1.431, 1.528). Em Pernambuco, em 1920 havia cerca de 150 famílias. 

Desde o final do século 19, e em especial após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil tornara-se um “país de imigrantes”, em um ambiente de tolerância religiosa, intensa permeabilidade social e cultural e oportunidades de ascensão econômica, que não foi bloqueada por manifestações de preconceito e racismo. Desde os anos 1880 e até os anos 1940, o Brasil recebeu cerca de quatro milhões de imigrantes (dos quais 65 mil judeus, até 1942). 

Estes imigrantes, com sua cultura e seu dinamismo social e econômico, participaram do desenvolvimento do país. Além da liberdade religiosa oficial, a legislação brasileira era tolerante com imigrantes europeus, e havia brechas que permitiam a entrada de mais imigrantes, apesar da burocracia legal e da necessidade de “cartas de chamada”. A partir dos anos 1920, o Brasil tornara-se um destino desejável e viável, dadas as restrições e quotas impostas pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Na década de 1920, mais de 10% dos judeus que emigraram da Europa escolheram o Brasil como destino e, entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus. 

A organização comunitária foi outro fator decisivo para uma inserção bem sucedida. Nos núcleos urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Santos havia organizações assistenciais, sinagoga, escola, cemitério, entidades cultuais e recreativas, movimentos políticos e imprensa. Em 1929, existiam 25 escolas judaicas no país. Em São Paulo, por exemplo, nos anos 1920 a 1930 havia seis diferentes entidades assistenciais na comunidade que ofereciam todo o apoio necessário aos imigrantes, desde a chegada no porto, assistência a mulheres grávidas, até mesmo um aporte capital para começar um trabalho, em geral mascatear mercadorias. 

A vida comunitária se desenvolvia também em torno da sinagoga, dos clubes sociais, esportivos e culturais, de movimentos políticos e uma imprensa ativa. Muitos imigrantes judeus urbanos trabalharam como mascates, mas também como artesãos e comerciantes; outros se tornaram industriais em ramos como o têxtil e o de móveis. Mais tarde, a partir dos anos 1960, uma significativa parcela passou a exercer atividades de profissionais liberais, como médicos, administradores, engenheiros, professores universitários, jornalistas, editores, psicólogos e demais profissões. 

No Brasil, as mulheres têm sido muito ativas na comunidade, em instituições como a Wizo e a Naamat Pioneiras, fundando e dirigindo entidades assistenciais, que protegiam as mulheres e as crianças, e também como voluntárias na área assistencial, como no caso do Departamento de Voluntárias do Hospital Israelita Albert Einstein. 

As comunidades mantinham intensa atividade política, com movimentos de esquerda e partidos sionistas, e diversas combinações entre eles. O 1° Congresso Sionista no Brasil deu-se em 1922, reunindo quatro movimentos: Ahavat Sion (São Paulo), Tiferet Sion (Rio de Janeiro, de 1919), Shalom Sion (Curitiba) e Ahavat Sion (Pará), que fundaram a Federação Sionista do Brasil. Um ano antes, em 1921, um delegado brasileiro participou do 12° Congresso Sionista, em Karlbad. Em 1929, uma eleição para escolher o delegado brasileiro ao 16° Congresso Sionista contou com dois candidatos que tiveram, na soma, 1.260 votos, e em 1934, para o 18° Congresso, o total de votos foi de 2.647 votos. 

Os movimentos de esquerda também foram significativos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O denso movimento dos judeus de esquerda no Rio de Janeiro se aglutinou em torno da Biblioteca Scholem Aleichem, da Brazkcor, Sociedade Brasileira Pró-Colonização Judaica na União Soviética, e do Centro Operário Morris Vinchevsky. Em São Paulo, havia os grupos Cultura e Progresso e, já em 1954, o Instituto Cultural israelita Brasileiro (Icib), a Casa do Povo, de tendência comunista, junto ao Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib). A língua e a cultura idiche foram um aglutinador importante destes movimentos. 

O primeiro jornal judaico editado em idiche no Brazil foi Di Menscheit, em 1915 em Porto Alegre, e as comunidades nas várias cidades mantiveram uma intensa atividade de imprensa, de teatro e cultural em geral. Em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro os judeus se concentraram em bairros definidos: Bom Retiro, Bonfim e Praça Onze, respectivamente, que tem seus cronistas e escritores, como Eliezer Levin, Samuel Malamud e Moacyr Scliar (este último a mais importante expressão literária judaica no país). 

Nos anos 1920 e 1930, vivendo concentrados em alguns poucos núcleos urbanos e com uma atividade econômica, social e cultural pública, os judeus se tornaram um dos grupos de imigrantes “mais visíveis”, segundo a expressão do historiador Jeff H. Lesser e, assim, passaram a ser parte do jogo e do interesse político local, nacional e internacional, com o surgimento de estereótipos e manipulação política, especialmente durante o regime Vargas (1930-1945), quando se criou no país uma “questão judaica”, envolvendo interesses políticos, restrições e leis que proibiram formalmente a imigração judaica ao Brasil, com as circulares secretas do Itamaraty, restringindo a entrada de refugiados judeus mesmo durante a guerra. O golpe do Estado Novo, em 1937, foi dado por Vargas com o pretexto forjado de que um plano de revolução comunista estava em marcha, o “Plano Cohen”, com evidente ressonância judaica. 

Apesar disso, a imigração judaica continuou, principalmente através de negociações caso a caso, mas não de forma organizada por meio de entidades assistenciais. Cerca de 17.500 judeus entraram no país entre 1933 e 1939, mas muitos refugiados da Europa ocupada pela Alemanha nazista tiveram o visto negado e tiveram como destino o extermínio no Holocausto. Nesse período, houve diplomatas que salvaram judeus, como o embaixador Souza Dantas. 

Durante os anos do Estado-Novo (1937) e da Segunda Guerra Mundial, um clima geral de xenofobia estava presente em círculos do governo e em setores de suas elites políticas e intelectuais. O ensino de línguas estrangeiras e a publicação de jornais em línguas estrangeiras foi banido, e as organizações de imigrantes tiveram que “nacionalizar” seus nomes e eleger diretorias com brasileiros natos. Como regra, estas foram restrições impostas a todos os grupos imigrantes. Não obstante a ditadura e o clima nacionalista xenófobo, as organizações judaicas adequaram-se à legislação e souberam enfrentar as restrições sem deixar de funcionar. As escolas continuaram a ensinar hebraico e cultura judaica, as sinagogas mantiveram seus cultos, programas de rádio tocavam músicas judaicas e inúmeras organizações foram fundadas neste período. O antissemitismo não significou ações públicas contra os judeus dentro do Brasil e os que conseguiram imigrar. 

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as comunidades participaram das campanhas em prol do esforço de guerra do Brasil, que rompeu relações com o Eixo em agosto de 1942, seguindo uma política de alinhamento com os Estados Unidos e com os Aliados. A comunidade judaica do Brasil doou cinco aviões para a recém criada Aviação Militar do Brasil, em 1942, e criou vários comitês para auxiliar os refugiados de guerra na Europa, alguns ligados à Cruz Vermelha. Também durante a guerra, várias campanhas foram realizadas em prol dos refugiados na Europa. Em julho de 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com mais de 30 mil homens. Havia 42 judeus na FEB, entre eles o artista plástico Carlos Scliar, que publicou depois um Álbum de Guerra e Boris Schnaiderman, que publicou Guerra em Surdina, romance testemunhal da FEB. 

Entre 1933 e 1938, esteve ativo no Brasil o movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Mimetizando o fascismo, o Integralismo tinha uma plataforma antissemita. Gustavo Barroso, o chefe das milícias, era o principal pregador antissemita. Traduziu “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e fez várias versões adaptadas ao Brasil, entre elas “A Sinagoga Paulista”, “Brasil, colônia de banqueiros” e “História secreta do Brasil”. No principal jornal integralista, Barroso, também membro da Academia Brasileira de Letras, mantinha a coluna “Judaísmo internacional”. No entanto, não há registros documentados de ações e violência aberta contra as comunidades judaicas. Em Curitiba, Baruch Schulman escreveu, em 1937, Em Legítima Defesa, uma publicação em defesa dos judeus. Em Belo Horizonte, Isaías Golgher criou um Comitê Anti-Integralista. Um grupo de intelectuais brasileiros, apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA) e pela companhia Klabin, publicou em 1933 um livro em defesa dos judeus chamado Por que ser antissemita?Um inquérito entre intelectuais brasileiros. 

Em São Paulo, em 1946, foi fundada Federação Israelita do Estado de São Paulo, de linha sionista, para organizar a imigração do pós-guerra dos judeus refugiados na Europa para o Brasil. O movimento sionista, que havia sido inativo durante aqueles anos, ressurgiu e passou a ter atuação pública. A militância judaica de esquerda também voltou a ser muito ativa, inclusive nas fileiras do Partido Comunista. Em 1948, foi fundada a Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do Brasil – depois Confederação Israelita do Brasil (Conib). 

O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembléia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.

O texto acima é do historiador Roney Cytrynowicz.

Bibliografia básica: 

- Calaça, Carlos Eduardo e Maio, Marcos Chor. “Cristãos Novos e Judeus: Um Balanço da Bibliografia sobre o Antissemitismo no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n° 49, 1° semestre de 2000, pp. 15-50 
- Cytrynowicz, Roney. Verbete “Brazil”. Encylopaedia Judaica, Gale/Keter Publishing House, 2006. 
- Falbel, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo, Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984 
- Lesser, Jeffrey H. Welcoming the Undiserables: Brazil and the Jewish Question. University of California Press, 1995 
-Lesser, Jeffrey H. Pawns of the Powerfull. Jewish Immigration to Brazil 1904-1945. Tese (PhD em História). New York University, 1989 
-Maio, Marcos Chor. “Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30”. In: Pandolfi, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 239 e 239 
-Malamud, Samuel. Documentário. Contribuição judaica à memória da comunidade judaica brasileira. São Paulo, Imago, 1992 
-Milgram, Avraham. Os judeus do Vaticano. A tentativa de salvação de católicos – não-arianos – da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942) 
-Rattner, Henrique. Tradição e Ruptura (A comunidade judaica em São Paulo). São Paulo, Ática, 1977
- Wiznitzer, Arnold. Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, Edusp/Pioneira, 1960
 

A IMIGRAÇÃO JUDAICA NO BRASIL

A comunidade judaica tal qual a conhecemos hoje é fruto da imigração que se iniciou no século 19 e se intensificou no século 20, atingindo o seu auge entre os anos 1926 e 1942 quando mais de 50 mil judeus entraram no Brasil. No entanto, é possível identificar a presença judaica no Brasil desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral, em 1500, nas quais já figuravam cristãos-novos. Este tema será desenvolvido no capítulo 4.

No século 19, judeus do Marrocos chegaram à Amazônia e se instalam em Belém, cidade portuária, Manaus e nas cidades dos afluentes do rio Amazonas. Para a então capital do Império e, após 1822, da Republica, o Rio de Janeiro, vieram os judeus da Alsácia – Lorena, asquenazitas, e também alguns sefaraditas. Já no século 20, nas cidades de Recife e Salvador, na região Nordeste, formaram-se comunidades asquenazitas, com judeus oriundos da Europa Oriental.

No Sul, seja nas colônias do Barão Hirsch, em Porto Alegre e em Curitiba, e também nas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, se estabelecem comunidades asquenazitas com judeus vindos da Rússia, Bessarábia e Polônia.

A imigração sefaradita se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano. Aportaram por aqui os chamados “turcos”, entre eles os judeus, que se instalaram principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1930, foram os alemães que vieram, principalmente para Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em finais dos anos 1950, chegaram os húngaros e os egípcios, que se instalaram sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. Já nos anos 1970, uma leva de judeus libaneses veio principalmente de São Paulo, então centro econômico incontestável do país.

O Brasil atrai no século 21 judeus oriundos da América Latina, que deixam seus países em momentos de crise política ou econômica.
 

Características da imigração contemporânea

a) Asquenazitas e Sefaraditas

Não há um consenso sobre qual comunidade é maior:  asquenazitas ou sefaraditas. Do ponto de vista étnico-cultural, os judeus da Amazônia – sefaraditas - mantiveram sua identidade, devido principalmente ao seu isolamento geográfico. Isso, no entanto, vem mudando nas últimas décadas, com a chegada da ortodoxia asquenazita na região. No Sul, em Porto Alegre, a cultura asquenazita - tradicional ou liberal - sempre foi predominante, com presença minoritária sefaradita. A cultura asquenazita foi e é predominante também em outras capitais.

Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, que atraíram o maior número de imigrantes e concentram as duas maiores comunidades do Brasil, talvez seja diferente. Sempre houve um equilíbrio numérico entre asquenazitas e sefaraditas. Por décadas, os dois grupos não se “misturavam”, e casamentos exogâmicos entre “gringos” e “turcos” eram malvistos, desestimulados, proibidos.  Passadas duas, três, quatro gerações, essas diferenças quase desapareceram, mas ainda não podemos dizer que a fronteira entre asquenazitas e sefaraditas deixou de existir.

b) Iidichistas e Sionistas

Para um grande número de imigrantes judeus, era imprescindível se reunir para além dos marcos nacional e regional: a participação nos grandes temas da política judaica era fundamental. Assim, surgiram organizações idichistas de esquerda em contraponto aos judeus sionistas. Entre as primeiras, destacamos a mais antiga delas, fundada no Rio de Janeiro: a Biblioteca Israelita Brasileira Scholem Aleichem que depois se tornou Associação Scholem Aleichem, ativa até hoje.  

Em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Instituto Cultural Israelita Brasileira – A Casa do Povo, abrigou o Teatro de Arte Israelita Brasileiro – TAIB, o Colégio Scholem Aleichem, o clubinho I.L. Peretz, dois corais, um em iídiche, outro em português, a administração da colônia de férias Kinderland, e a edição do jornal “Nossa Voz”. Seu auge foi nos anos 1960-1970, com uma retomada na década de 2010.

Em Porto Alegre o Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, estabelecido em 1985 e herdeiro do iidichismo, é muito ativo e uma importante referência cultural na cidade, mantendo um Departamento de Memória com publicações, biblioteca e um bem-organizado arquivo da imigração no Estado.

Os sionistas criaram em 1913, no Rio de Janeiro, a associação Tiferet Tzion e, nos anos seguintes, outras entidades em capitais como São Paulo, Belém do Pará e Curitiba. Em 1916, David José Perez fundou na então capital federal o jornal sionista A Columna. Em 1921, o movimento foi representado pela primeira vez em um Congresso Sionista Mundial.  Em novembro de 1922, na 1ª Conferência Territorial Sionista, realizada no Rio de Janeiro, foram propostas resoluções como a implantação de uma educação moderna nacional-hebraica e a criação de escolas judaicas no Brasil.

No final dos anos 1920, as instituições judaicas do Rio de Janeiros e São Paulo, assim como as de outros estados, já estavam se consolidando, e iidichistas e sionistas disputavam as diretorias das principais entidades comunitárias.

Em 1938, durante o Estado Novo (1937-45), período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, os sionistas foram proibidos de exercer suas atividades. Conseguiram, no entanto, prosseguir seu trabalho por meio de diferentes estratégias, não havendo assim, perseguição contra o movimento.

As divergências entre os iidichistas e sionistas se dissiparam com a criação do Estado de Israel, fato que representou um marco na história da comunidade judaica brasileira. A partir de então, a identidade comunitária é fortemente clivada pela questão do engajamento político e afirmação de lealdade ao Estado de Israel.

c) As Colônias do Barão Hirsch e Porto Alegre

As primeiras comunidades judaicas instaladas de forma organizada com recursos europeus no Brasil formaram-se no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século 20, por intermédio da Jewish Colonization Association, em acordos com o governo do Estado. Imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias instaladas na Argentina a partir de 1893. 

Em 1904, enquanto às margens do Kineret se fundava o primeiro Kibutz, o Degania, nas terras frias do Sul do Brasil se estabelecia a primeira colônia gaúcha, Philippson, com 37 famílias originárias da Bessarábia. Ali foi criada, em 1906, a primeira escola judaica no Brasil na qual se ensinou o currículo oficial brasileiro. Em 1912, foi estabelecida a colônia Quatro Irmãos, que chegou a contar com mais de 350 famílias, divididas em quatro núcleos: Quatro Irmãos, Baroneza Clara, Barão Hirsch e Rio Padre.

Em cada um dos núcleos, funcionou uma escola que ensinava o currículo oficial e o judaico. Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. E ainda uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos à companhia num prazo de 10 a 15 anos. Em 1915, a população em Quatro Irmãos atingiu 1.600 pessoas.

Após anos de trabalho árduo, essas colônias foram abandonadas por falta de experiência agrícola, isolamento dos colonos, má qualidade das terras, falta de crédito, conflito de interesses com a JCA, falta de apoio governamental e, finalmente, por um levante militar ocorrido no Rio Grande do Sul, que devastou a região em 1923. Na década de 1920, a maioria dos colonos já havia se mudado para Porto Alegre ou criado pequenas comunidades no interior do Estado.

Hoje, no município em que foram estabelecidas as colônias, Santa Maria, muitos desses pioneiros são homenageados com nomes de rua. O antigo hospital foi tombado como patrimônio histórico e hoje abriga o Museu e Arquivo Histórico das Colônias. O Cemitério de Philippson foi recentemente restaurado e é periodicamente visitado por descendentes desses pioneiros.

Em Porto Alegre, a capital do estado, a comunidade se estabeleceu a partir dos anos 1910. Os imigrantes da Europa Oriental escolheram o bairro do Bom Fim, que passou a ter forte concentração judaica. Lá ocorreu a centralização da vida comunitária, por meio das sinagogas, escolas, sociedades culturais, grupos de jovens, teatro iídiche, bibliotecas, sociedades de amparo aos recém-chegados, clube, armazém, açougue e o primeiro jornal judaico do Brasil publicado em ídiche, Di Menshhait, criado em 1915.

O ishuv de Porto Alegre merece ainda destaque por uma luta emblemática. Em 1989, a cidade foi tomada por uma profusão de livros antissemitas, todos publicados pela editora “Revisão”, de Siegfried Ellwanger. Com relativa repercussão, foi criado em Porto Alegre o Movimento Popular Anti-Racismo - Mopar, aliança entre integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e ativistas judeus, para combater racismo e antissemitismo. O processo aberto pelo Mopar chegou ao Superior Tribunal Federal, que apreciou dois temas: 1) antissemitismo é racismo? 2) a liberdade de expressão abrange a divulgação de escritos de ódio a que se dedicava Ellwanger?  O STF concluiu que o antissemitismo é uma prática de racismo e que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação do racismo. Também apontou que a negação de fatos históricos incontroversos, como o Holocausto, lastreada na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui uma incitação à discriminação. Assim, entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.

Em 2004, o proprietário-editor da editora foi condenado por crime de racismo e antissemitismo. Foi a primeira condenação do antissemitismo pela mais alta corte de Justiça do país, estabelecendo uma importante jurisprudência. 
 

d) Rio de Janeiro

A segunda maior comunidade judaica do Brasil começou a se formar na metade do século 19. Com a proclamação da independência, em 1822, e a relativa liberdade religiosa instaurada pela Constituição de 1824, teve início a chegada de judeus à então capital do país. Antes, entre os séculos 16 e 17, já havia a presença de cristãos-novos no Rio de Janeiro - e também perseguição por parte da Inquisição.

A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.

É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida, da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.

Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam russo, polonês e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. 

Não muito longe dali, na rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.

Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis.

Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.

O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.

Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.

Atualmente, com 22 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.


e) São Paulo

No início do século 20, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a receberem a quase totalidade dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, entre eles os judeus. A capital paulista atraiu muito mais do que qualquer outra capital brasileira, por motivos econômicos: as atividades ligadas ao café, e ao Porto de Santos, as atividades comerciais e financeiras e a incipiente indústria.

Todos estes fatores atraíram os imigrantes. A imigração expressiva do século 20 se iniciou na década de 1910, com judeus oriundos da Rússia, Polônia, Letônia, Lituânia, Bessarábia. Aportavam em Santos e subiam a serra de trem, desembarcando na histórica Estação da Luz. O Bairro de Bom Retiro é logo ali, e lá já estavam imigrantes italianos e espanhóis. A eles se juntaram muito outros até que o Bairro do Bom Retiro se tornasse o Bairro Judaico de São Paulo.

A partir dos anos 1920, chegaram os judeus Sefaraditas e se instalam no tradicional bairro Mooca, junto com os operários italianos e espanhóis. Lá, fundaram duas sinagogas: a dos oriundos de Sidon e a dos originários de Beirute. Muitos chegaram com muito pouco para recomeçar a vida. Outros chegaram com posses e puderam ajudar. A rede de solidariedade ajudar na busca de trabalho, moradia, roupa, pelas famílias ou via associações beneficentes.

Assim como nas outras capitais, a coletividade paulista se organizou em sociedades de assistências de auxílio. Logo em 1915 foi fundada a Ezra, em seguida a Linat Tzedek, o Lar das Crianças, a Gota de Leite. Ao longo dos anos estas instituições foram se unindo, até que em 1976 formou-se a Unibes - União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social, já com um centenário de atividade. Sua sede ainda é no Bom Retiro e entre seus assistidos há grupos de idosos da coletividade judaica. Mas há algumas décadas seu foco principal é o atendimento à população não judaica carente do entorno.

Os judeus se espalharam por bairros centrais e mais nobres da cidade, e precisaram de uma nova sinagoga; o Templo Beth El, foi construído no período de 1927-1932, em estilo bizantino, seguia o rito asquenazita mas estava aberta e aceitava rabinos das mais diversas proveniências. Teve seu auge até os anos 1960, quando em no início dos anos 2000 foi assinado o acordo para a criação do Museu Judaico de São Paulo que deve ser o maior da América Latina. O museu deverá também integrar o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro que tem o compromisso de preservar a memória da presença judaica no Brasil.

Até as décadas de 1950-60, a vida judaica de São Paulo se concentrava no bairro do Bom Retiro. A comunidade asquenazita, inclusive a ortodoxa, vivia e trabalhava lá. Os movimentos juvenis Dror, Shomer Hatzair, Ichud habonim, escolas sionistas, ortodoxa e ídichista, Chevra Kadisha, todas as associações beneficentes, o escritório da Organização Sionista Unificada, a cooperativa de crédito popular e incontáveis sinagogas se espalhavam pelas ruas do bairro.

Os judeus sírios e libaneses, ou “turcos”, que estabeleceram seus negócios na região da rua 25 de Março, conviveram ali com seus conterrâneos cristãos por longas décadas. Hoje, os chineses os substituíram, assim como, no Bom Retiro, os coreanos tomaram o lugar dos poloneses, russos e lituanos.

Para reforçar a colônia sírio-libanesa, chegaram os judeus de Aleppo, sob a liderança de Jacob Elie Safra, e fundaram em 1964 a Congregação Sefaradi Paulista. Ele faleceu antes do termino da obra, e a Sinagoga ganhou o nome de Beit Yaacov. Esse foi apenas o início de um projeto religioso, educativo e cultural que consiste hoje em duas sinagogas, um corpo de rabinos encabeçados pelo Rabino David Weitman (asquenazita do movimento Lubávitch), o movimento juvenil Netzach, a revista Morashá, o Instituto Morashá de Cultura e a Escola Beit Yaacov, a única escola judaica bilíngue do Brasil, que se destaca no país por sua qualidade de ensino.

Higienópolis é hoje o bairro com maior população judaica. Nos anos 1930/40, era ocupado pelos barões do café, hoje vivem lá além dos herdeiros da elite paulista os judeus. Primeiramente vieram os sefaraditas, depois os asquenazitas e, nas duas últimas décadas, os ortodoxos nas suas mais diversas nacionalidades. O bairro dispõe de 11 sinagogas, uma yeshivá, cinco escolas judaicas, restaurantes, inclusive um de culinária japonesa, serviços de catering, açougues, padaria e mercearias de produtos kasher, uma editora e livraria judaica. Encontramos em Higienópolis a maior variedade de etnias judaicas em São Paulo. A vida judaica no bairro de Higienópolis é tão intensa que nos últimos anos o rabinato do distrito estabeleceu ali um eruv.

O crescimento econômico da cidade proporcionou o fortalecendo das instituições judaicas e a criação de novas. O Hospital Israelita Albert Einstein, fundado em 1955, tornou-se referência e é hoje o hospital privado mais moderno da América Latina. Além disso, possui um programa de assistência social em uma favela próxima.

Em 1969, a Universidade de São Paulo instituiu o Centro de Estudos Judaicos, uma iniciativa da Federação Israelita do Estado de São Paulo e de uma comissão de professores. Ele passou a funcionar como centro complementar do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Seu objetivo: divulgar o legado da cultura e da ética judaica no meio acadêmico e na sociedade. Neste departamento, foi regulamentado em 1989 o Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica.

Em dois séculos de imigração, o judeu encontrou seu lugar, aprendeu a língua, construiu um lar para sua família, progrediu economicamente, se integrou à cultura brasileira e, de geração em geração, incorporou as causas e as questões brasileiras. Nos anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), dez militantes judeus foram mortos pela repressão. O caso mais emblemático é o de Vladimir Herzog (Iugoslávia 1937- São Paulo 1975). Diretor de telejornalismo da TV Cultura – a rede pública do Estado de São Paulo - era militante comunista. Vlado, como era chamado pelos brasileiros, se apresentou para um interrogatório, foi torturado e morto nas dependências do Exército. A versão oficial: suicídio por enforcamento. No entanto, uma foto deixava claro que ele não havia se enforcado.

O funcionário da Chevra, sob as ordens do rabino Henry Sobel, insistiu com militares para examinar o corpo de Vlado e verificou que ele tinha muitas marcas de hematoma, indicando que havia sido violentamente torturado: a farsa do suicídio caía por terra.

Em outubro de 1975, Sobel, um jovem rabino recém-chegado dos Estados Unidos e defensor dos direitos humanos, recusou-se a enterrar Vladimir Herzog na ala dos suicidas. Por sua insistência e intrometimento, foi ameaçado pelos generais. Buscou e teve o apoio do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Ali se iniciou uma parceria que duraria 40 anos.

Dias após o enterro, um ato ecumênico foi organizado na Catedral da Sé, com líderes religiosos judeus, católicos, protestantes e umbandistas. Estavam presentes dentro da Catedral familiares e amigos, políticos e sindicalistas. Do lado de fora, a Praça da Sé lotou, apesar da censura da imprensa, e uma multidão silenciosa e apreensiva se aglomerou no que foi chamado por historiadores e especialistas como o início do processo de redemocratização brasileira. A ditadura ainda demoraria 10 anos para acabar.

O rabino Sobel (Lisboa, 1944) sucedeu o rabino Dr. Fritz Pinkuss na presidência da Congregação Israelita Paulista, onde ficou até 2007. Foi um notável porta-voz da comunidade judaica e estabeleceu diálogo com os cristãos e outras religiões. Sua atuação levou-o a ser considerado a maior liderança judaica do Brasil, no período entre 1970-2010.


f) Judeus na Amazônia - Belém e Manaus

No início do século 19, a Inglaterra fazia sua Revolução Industrial, e Napoleão invadia a Europa difundindo os valores da Revolução Francesa. A Família Real Portuguesa, diante da invasão napoleônica, fugiu em 1808 para o Rio de Janeiro e abriu para os ingleses as fronteiras comerciais. Éramos então uma sociedade agrária e escravocrata.

Em 1821, o Tribunal do Santo Oficio foi extinto e a liberdade de culto permitida, para atender soldados e comerciantes ingleses, protestantes. Isso serviu de atrativo para os judeus do Marrocos tentarem uma nova vida no Brasil.

Uma primeira leva de imigrantes veio em 1810. O fato de ser uma cidade portuária foi determinante para que Belém crescesse como a primeira comunidade judaica da Amazônia. Os imigrantes eram principalmente homens solteiros, que trabalharam no comércio nas cidades ribeirinhas dos afluentes do rio Amazonas: os regatões, como são chamados no Norte do Brasil, ou mascates, como são chamados no Sul e no Nordeste.

Eles logo precisaram de reforços e chamaram seus conterrâneos, rapazes que haviam acabado de fazer o bar mitzvá, e em seguida chamavam suas esposas, ou suas prometidas. Nesse período, estima-se que 300 famílias se instalaram na Amazônia.

Em 1824, a comunidade fundou a primeira sinagoga de Belém, Eshel Avraham e, em 1835, a Shaar Ha Shamaim, dando forma oficial à comunidade da capital e aos inúmeros núcleos judaicos espalhados nas localidades interioranas. Essas duas sinagogas se mantêm ativas ininterruptamente até os dias de hoje.

A partir da segunda metade do século 19, a região prosperou com o ciclo da Borracha (1860-1910), e houve um aumento do fluxo migratório de judeus marroquinos. Belém e Manaus tomaram ares de metrópoles, com construções de grandes edifícios em estilo Art - Nouveau como o Teatro da Paz, em Manaus e o Mercado Municipal Ver-o-Peso, em Belém. Nesta segunda fase da imigração, estima-se que mais 700 famílias aportaram na região.

O isolamento geográfico, aliado à homogeneidade dos marroquinos, a pouca influência de outros grupos judaicos e as trocas culturais com a população local são alguns dos fatores que fazem do judaísmo da Amazônia algo diferenciado dentro do judaísmo do Brasil e da diáspora como um todo. Os costumes e tradições do Marrocos ainda se mantêm, mesmo com a chegada de judeus asquenazitas no período entre-guerras. Estes se adequaram ao estilo marroquino dos judeus da Amazônia. 

A comunidade de Belém chega ao século 21 com 1300 membros, lutando para manter ativas suas instituições, clubes, sinagogas, movimentos juvenis. À frente das duas sinagogas estão rabinos formados na linha ortodoxa, porém filhos da própria comunidade.  

g) Presença judaica no Brasil Colônia - Recife

É possível identificar a presença judaica no Brasil desde seu descobrimento, em 1500. Nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, já havia cristãos-novos. Em Portugal, durante o período de expansão ultramarina iniciado no século 15, havia judeus ligados às ciências e às artes da navegação. Os primeiros judeus nestas terras foram os expulsos de Portugal em 1496, que escolheram aqui seu refúgio, mesmo tendo passado pela conversão forçada, pois acreditavam que aqui estariam a salvo das perseguições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

De fato, o Tribunal da Inquisição não se instalou no Brasil Colônia de forma permanente, mas enviou “visitações”; estas perseguiam o que se considerava práticas “judaizantes”. As ações da Inquisição no Brasil foram menos sistemáticas e frequentes do que em Portugal, onde a instituição vigorou até 1821.

No período entre 1500 a 1822, o Brasil foi o destino de milhares de cristãos-novos que, no entanto, não constituíram comunidades organizadas. Eles se estabeleceram no Nordeste, nos estados de Pernambuco e Bahia, e eram sobretudo, senhores de engenhos de cana-de-açúcar, comerciantes ou exportadores de açúcar.

Em 1630, O Brasil foi invadido pelos holandeses, e o conde Mauricio de Nassau começou a construção do que seria a atual cidade de Recife, capital de Pernambuco. A Companhia das Índias Orientais, que explorou os mais de 120 engenhos de açúcar existentes em Pernambuco, era integrada por muitos judeus holandeses. O encontro destes com os cristãos-novos de Pernambuco, em nova realidade de liberdade religiosa proporcionada pelo governo holandês, fez com que surgisse em Recife a primeira e maior comunidade judaica organizada das Américas.

No período de domínio holandês, entre 1630 e 1654, construíram a primeira sinagoga do Novo Mundo, a Kahal Zur Israel, e também a segunda, a Maguen Abraham, cujo primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), que chegou ao Recife em 1641 e lá ficou por 13 anos. 

Durante o governo de Nassau, Recife foi considerada a mais cosmopolita cidade das Américas. Em 1654, foi reconquistada pelos portugueses, e a liberdade culto foi revogada. Alguns judeus holandeses partiram para a América do Norte e ajudaram a fundar Nova Amsterdã, atual Nova York.

A atual comunidade judaica do Recife se formou no século 20, com imigrantes vindos da Europa Oriental, majoritariamente asquenazitas. Fundaram sua primeira sinagoga em 1926, ativa até hoje, e uma escola, a Idishe Schul. Nos anos 1930, os sefaraditas se somaram à comunidade existente e inauguram sua própria sinagoga, que funcionou até a década de 1960.

Em 1992, foi fundado o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco no edifício onde funcionou a antiga sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, na antiga “Rua dos Judeus”. A sinagoga foi restaurada e, em 18 de março de 2002, reinaugurada. A data de 18 de março foi escolhida para ser o Dia Nacional da Imigração Judaica, em lei federal sancionada em 2009.

 
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História dos Judeus no Brasil
 

A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, atrás da Argentina e à frente do México, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população.

Os judeus se concentram sobretudo nas regiões sul e sudeste. As duas mais importantes comunidades do Brasil, confirmadas pelos dados do Censo do IBGE de 2010, estão nas cidades de São Paulo, com 44 mil pessoas, e Rio de Janeiro, com 22 mil. Na região Sul, a cidade de Porto Alegre entra neste século sem perder a vitalidade de suas instituições, uma comunidade de 7.000 judeus. A região Norte merece destaque por sua longevidade. A comunidade de Manaus tem 1.200 membros, e a mais antiga comunidade judaica do Brasil, em Belém do Pará, tem 1.300 membros. No Nordeste, a comunidade do Recife conta com 1.300 membros. Veja mais abaixo verbetes especiais sobre as comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus.

INTRODUÇÃO

A história judaica no Brasil pode ser estudada por meio de quatro marcos distintos:

1) a presença de cristãos-novos e a ação da Inquisição durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822); 
2) a formação de uma comunidade judaica em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, no século 17, durante o período de invasão e domínio holandês, que propiciou liberdade religiosa para os judeus; 
3) o período moderno (1822-1889), no qual houve uma abertura para a aceitação de outras religiões e começou uma esparsa imigração em várias cidades. A primeira comunidade judaica no período moderno formou-se em Belém. Outra, posteriormente, no Rio de Janeiro; 
4) o período contemporâneo (em 1889, o Brasil adotou uma Constituição que garantia a liberdade de religião), quando se formaram comunidades em colônias agrícolas no Rio Grande do Sul (principalmente a partir da primeira década do século 20), e comunidades organizadas em algumas das principais cidades do Brasil (a partir da Primeira Guerra Mundial). 

No período colonial (1500-1822), milhares de portugueses cristãos-novos vieram ao Brasil, mas não constituíram comunidades judaicas organizadas.

Até a proclamação da independência, em 1822, o catolicismo era a religião oficial e não havia liberdade para a prática de outras religiões. Os cristãos-novos participaram da vida colonial, social, cultural e economicamente, com destaque para os engenhos de açúcar na Bahia, Paraíba e Pernambuco. Sua ascensão social e econômica enfrentava restrições. Não podiam pertencer às Irmandades de Misericórdia e às Câmaras Municipais, nem casar com “cristãos-velhos”, por causa dos estatutos de “pureza de sangue”. 

Durante a maior parte do período colonial, esteve ativo no Brasil o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estabelecido em Portugal em 1536 e que funcionou na Metrópole até 1821. A conversão dos povos não católicos nas Américas (como as culturas indígenas e pré-colombianas) era uma ação central no processo de expansão dos impérios português e espanhol. A Inquisição enviou Visitações a partir de 1591 e delegou poder aos bispos locais. As mais conhecidas foram as Visitações de 1591-93, na Bahia; 1593-95, em Pernambuco; 1618, na Bahia; em torno de 1627, no Sudeste; e as de 1763 e 1769, no Grão-Pará, norte do país. No século 18, a Inquisição também esteve ativa na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1773, durante o governo do Marquês de Pombal, a diferenciação entre novos e velhos cristãos foi abolida, e a Inquisição deixou de atuar. Apesar de sua ação, uma significativa porosidade social permitiu aos cristãos-novos formas de ascensão social e econômica e estratégias de perpetuar a identidade. 

Segundo Wiznitzer, nos dois séculos e meio de ação da Inquisição no Brasil, cerca de 25 mil pessoas foram processadas por variadas acusações, e 1.500 foram condenadas à morte. Cerca de 400 pessoas acusadas de “práticas judaizantes” foram processadas, a maioria condenada à prisão e 18 à morte, em Lisboa. Três escritores cristãos-novos se destacaram no período colonial com uma obra que revela elementos de expressão judaica: Bento Teixeira, com a Prosopopéia; Ambrósio Fernandes Brandão, autor de Diálogos das Grandezas do Brasil (ambos do séc. 16); e o teatrólogo Antônio José da Silva, “o Judeu”, que viveu parte da vida em Portugal, parte no Brasil, tornou-se um dos mais conhecidos autores de teatro e foi condenado à morte pela Inquisição, em 1739. O antissemitismo da Inquisição permaneceu no imaginário do país, embora sem ligação objetiva com a história moderna e contemporânea das comunidades judaicas que começaram a se estabelecer no Brasil a partir do século 19 e, principalmente, no século 20. 

A primeira comunidade judaica organizada foi formada em Recife, Pernambuco, na região Nordeste do território, entre 1630 e 1654, durante o período de ocupação colonial holandesa, que permitiu a liberdade de religião e defendeu legalmente judeus e cristãos-novos das restrições impostas por Portugal. Segundo Wiznitzer, o número de judeus teria chegado, em 1644, a 1.450. Em 1636, os judeus fundaram em Recife a primeira sinagoga em solo brasileiro (e em todas as Américas): Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel). Com a expulsão dos holandeses em 1654, encerrou-se este capítulo da história judaica no país. 

Após a Independência do Brasil, a Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião de Estado, mas proclamou a tolerância com relação a outras religiões e cultos realizados em espaços privados. Algumas dezenas de judeus vieram ao Brasil neste período. D. Pedro II, que assumiu o trono em 1832, era interessado por judaísmo, foi um hebraísta, mantendo correspondências com ilustres judeus de sua época e tendo visitado a Terra Santa em uma de suas viagens internacionais. 

A segunda comunidade judaica organizada no país foi fundada em Belém, a partir da imigração de judeus do Marrocos. Atraídos pela riqueza da borracha, estabeleceram a sinagoga Shaar Hashamain em torno de 1824. Em 1842, foi fundado um cemitério judaico em Belém. Um novo ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20, atraiu mais imigrantes e formou núcleos judaicos em diversas localidades da Amazônia, como Itacoatiara, Cametá, Paratintins, Óbidos, Santarém, Humaitá e outras. Imigrantes judeus chegaram também a cidades como o Rio de Janeiro, onde fundaram, em 1840-50, a União Shel Guemilut Hassadim e, em 1867, a Alliance Israélite Universelle. Também para São Paulo houve um pequeno afluxo de imigrantes originários da Alsácia-Lorena. 

A Constituição Republicana de 1891 garantiu a separação entre Estado e Igreja e proclamou a liberdade de religião, introduzindo o casamento civil e os cemitérios laicos. A primeira imigração organizada no século 20 se deu no Rio Grande do Sul. Através da Jewish Colonization Association (JCA) e de acordos com o governo do Estado, centenas de imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias que foram instaladas na Argentina, a partir de 1893. A primeira colônia, de 4.472 hectares, se estabeleceu em Philippson, na região de Santa Maria, em 1904, com 37 famílias originárias da Bessarábia. 

A partir dos anos da Primeira Guerra Mundial e até os anos 1920-30, imigrantes judeus da Europa Oriental e Ocidental e do Oriente Médio formaram comunidades estruturadas nas principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Pequenos núcleos formaram-se em dezenas de cidades do interior, acompanhando principalmente os ciclos econômicos. Em muitos locais, tiveram o apoio de entidades internacionais, principalmente JCA, Joint, Emigdirect e Hias. 

Na época da Primeira Guerra Mundial, a população judaica do país atingiu entre cinco e sete mil pessoas. Nas décadas de 1920 e 1930, imigraram ao país cerca de 30 mil judeus, chegando seu número a cerca de 56 mil nos anos 1930. De acordo com estatísticas oficiais, a população judaica por Estado era a seguinte, para os anos 1900, 1940 e 1950: São Paulo (226; 20.379; 26.443), Rio de Janeiro (25; 22.393, 33.270), Rio Grande do Sul (54, 6.619, 8.048), Bahia (17, 955, 1.076), Paraná (17, 1.033, 1.340) e Minas Gerais (37, 1.431, 1.528). Em Pernambuco, em 1920 havia cerca de 150 famílias. 

Desde o final do século 19, e em especial após a abolição da escravidão em 1888, o Brasil tornara-se um “país de imigrantes”, em um ambiente de tolerância religiosa, intensa permeabilidade social e cultural e oportunidades de ascensão econômica, que não foi bloqueada por manifestações de preconceito e racismo. Desde os anos 1880 e até os anos 1940, o Brasil recebeu cerca de quatro milhões de imigrantes (dos quais 65 mil judeus, até 1942). 

Estes imigrantes, com sua cultura e seu dinamismo social e econômico, participaram do desenvolvimento do país. Além da liberdade religiosa oficial, a legislação brasileira era tolerante com imigrantes europeus, e havia brechas que permitiam a entrada de mais imigrantes, apesar da burocracia legal e da necessidade de “cartas de chamada”. A partir dos anos 1920, o Brasil tornara-se um destino desejável e viável, dadas as restrições e quotas impostas pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Na década de 1920, mais de 10% dos judeus que emigraram da Europa escolheram o Brasil como destino e, entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus. 

A organização comunitária foi outro fator decisivo para uma inserção bem sucedida. Nos núcleos urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Santos havia organizações assistenciais, sinagoga, escola, cemitério, entidades cultuais e recreativas, movimentos políticos e imprensa. Em 1929, existiam 25 escolas judaicas no país. Em São Paulo, por exemplo, nos anos 1920 a 1930 havia seis diferentes entidades assistenciais na comunidade que ofereciam todo o apoio necessário aos imigrantes, desde a chegada no porto, assistência a mulheres grávidas, até mesmo um aporte capital para começar um trabalho, em geral mascatear mercadorias. 

A vida comunitária se desenvolvia também em torno da sinagoga, dos clubes sociais, esportivos e culturais, de movimentos políticos e uma imprensa ativa. Muitos imigrantes judeus urbanos trabalharam como mascates, mas também como artesãos e comerciantes; outros se tornaram industriais em ramos como o têxtil e o de móveis. Mais tarde, a partir dos anos 1960, uma significativa parcela passou a exercer atividades de profissionais liberais, como médicos, administradores, engenheiros, professores universitários, jornalistas, editores, psicólogos e demais profissões. 

No Brasil, as mulheres têm sido muito ativas na comunidade, em instituições como a Wizo e a Naamat Pioneiras, fundando e dirigindo entidades assistenciais, que protegiam as mulheres e as crianças, e também como voluntárias na área assistencial, como no caso do Departamento de Voluntárias do Hospital Israelita Albert Einstein. 

As comunidades mantinham intensa atividade política, com movimentos de esquerda e partidos sionistas, e diversas combinações entre eles. O 1° Congresso Sionista no Brasil deu-se em 1922, reunindo quatro movimentos: Ahavat Sion (São Paulo), Tiferet Sion (Rio de Janeiro, de 1919), Shalom Sion (Curitiba) e Ahavat Sion (Pará), que fundaram a Federação Sionista do Brasil. Um ano antes, em 1921, um delegado brasileiro participou do 12° Congresso Sionista, em Karlbad. Em 1929, uma eleição para escolher o delegado brasileiro ao 16° Congresso Sionista contou com dois candidatos que tiveram, na soma, 1.260 votos, e em 1934, para o 18° Congresso, o total de votos foi de 2.647 votos. 

Os movimentos de esquerda também foram significativos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O denso movimento dos judeus de esquerda no Rio de Janeiro se aglutinou em torno da Biblioteca Scholem Aleichem, da Brazkcor, Sociedade Brasileira Pró-Colonização Judaica na União Soviética, e do Centro Operário Morris Vinchevsky. Em São Paulo, havia os grupos Cultura e Progresso e, já em 1954, o Instituto Cultural israelita Brasileiro (Icib), a Casa do Povo, de tendência comunista, junto ao Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib). A língua e a cultura idiche foram um aglutinador importante destes movimentos. 

O primeiro jornal judaico editado em idiche no Brazil foi Di Menscheit, em 1915 em Porto Alegre, e as comunidades nas várias cidades mantiveram uma intensa atividade de imprensa, de teatro e cultural em geral. Em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro os judeus se concentraram em bairros definidos: Bom Retiro, Bonfim e Praça Onze, respectivamente, que tem seus cronistas e escritores, como Eliezer Levin, Samuel Malamud e Moacyr Scliar (este último a mais importante expressão literária judaica no país). 

Nos anos 1920 e 1930, vivendo concentrados em alguns poucos núcleos urbanos e com uma atividade econômica, social e cultural pública, os judeus se tornaram um dos grupos de imigrantes “mais visíveis”, segundo a expressão do historiador Jeff H. Lesser e, assim, passaram a ser parte do jogo e do interesse político local, nacional e internacional, com o surgimento de estereótipos e manipulação política, especialmente durante o regime Vargas (1930-1945), quando se criou no país uma “questão judaica”, envolvendo interesses políticos, restrições e leis que proibiram formalmente a imigração judaica ao Brasil, com as circulares secretas do Itamaraty, restringindo a entrada de refugiados judeus mesmo durante a guerra. O golpe do Estado Novo, em 1937, foi dado por Vargas com o pretexto forjado de que um plano de revolução comunista estava em marcha, o “Plano Cohen”, com evidente ressonância judaica. 

Apesar disso, a imigração judaica continuou, principalmente através de negociações caso a caso, mas não de forma organizada por meio de entidades assistenciais. Cerca de 17.500 judeus entraram no país entre 1933 e 1939, mas muitos refugiados da Europa ocupada pela Alemanha nazista tiveram o visto negado e tiveram como destino o extermínio no Holocausto. Nesse período, houve diplomatas que salvaram judeus, como o embaixador Souza Dantas. 

Durante os anos do Estado-Novo (1937) e da Segunda Guerra Mundial, um clima geral de xenofobia estava presente em círculos do governo e em setores de suas elites políticas e intelectuais. O ensino de línguas estrangeiras e a publicação de jornais em línguas estrangeiras foi banido, e as organizações de imigrantes tiveram que “nacionalizar” seus nomes e eleger diretorias com brasileiros natos. Como regra, estas foram restrições impostas a todos os grupos imigrantes. Não obstante a ditadura e o clima nacionalista xenófobo, as organizações judaicas adequaram-se à legislação e souberam enfrentar as restrições sem deixar de funcionar. As escolas continuaram a ensinar hebraico e cultura judaica, as sinagogas mantiveram seus cultos, programas de rádio tocavam músicas judaicas e inúmeras organizações foram fundadas neste período. O antissemitismo não significou ações públicas contra os judeus dentro do Brasil e os que conseguiram imigrar. 

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as comunidades participaram das campanhas em prol do esforço de guerra do Brasil, que rompeu relações com o Eixo em agosto de 1942, seguindo uma política de alinhamento com os Estados Unidos e com os Aliados. A comunidade judaica do Brasil doou cinco aviões para a recém criada Aviação Militar do Brasil, em 1942, e criou vários comitês para auxiliar os refugiados de guerra na Europa, alguns ligados à Cruz Vermelha. Também durante a guerra, várias campanhas foram realizadas em prol dos refugiados na Europa. Em julho de 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com mais de 30 mil homens. Havia 42 judeus na FEB, entre eles o artista plástico Carlos Scliar, que publicou depois um Álbum de Guerra e Boris Schnaiderman, que publicou Guerra em Surdina, romance testemunhal da FEB. 

Entre 1933 e 1938, esteve ativo no Brasil o movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Mimetizando o fascismo, o Integralismo tinha uma plataforma antissemita. Gustavo Barroso, o chefe das milícias, era o principal pregador antissemita. Traduziu “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e fez várias versões adaptadas ao Brasil, entre elas “A Sinagoga Paulista”, “Brasil, colônia de banqueiros” e “História secreta do Brasil”. No principal jornal integralista, Barroso, também membro da Academia Brasileira de Letras, mantinha a coluna “Judaísmo internacional”. No entanto, não há registros documentados de ações e violência aberta contra as comunidades judaicas. Em Curitiba, Baruch Schulman escreveu, em 1937, Em Legítima Defesa, uma publicação em defesa dos judeus. Em Belo Horizonte, Isaías Golgher criou um Comitê Anti-Integralista. Um grupo de intelectuais brasileiros, apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA) e pela companhia Klabin, publicou em 1933 um livro em defesa dos judeus chamado Por que ser antissemita?Um inquérito entre intelectuais brasileiros. 

Em São Paulo, em 1946, foi fundada Federação Israelita do Estado de São Paulo, de linha sionista, para organizar a imigração do pós-guerra dos judeus refugiados na Europa para o Brasil. O movimento sionista, que havia sido inativo durante aqueles anos, ressurgiu e passou a ter atuação pública. A militância judaica de esquerda também voltou a ser muito ativa, inclusive nas fileiras do Partido Comunista. Em 1948, foi fundada a Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do Brasil – depois Confederação Israelita do Brasil (Conib). 

O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembléia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.

O texto acima é do historiador Roney Cytrynowicz.

Bibliografia básica: 

- Calaça, Carlos Eduardo e Maio, Marcos Chor. “Cristãos Novos e Judeus: Um Balanço da Bibliografia sobre o Antissemitismo no Brasil”. BIB, Rio de Janeiro, n° 49, 1° semestre de 2000, pp. 15-50 
- Cytrynowicz, Roney. Verbete “Brazil”. Encylopaedia Judaica, Gale/Keter Publishing House, 2006. 
- Falbel, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo, Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984 
- Lesser, Jeffrey H. Welcoming the Undiserables: Brazil and the Jewish Question. University of California Press, 1995 
-Lesser, Jeffrey H. Pawns of the Powerfull. Jewish Immigration to Brazil 1904-1945. Tese (PhD em História). New York University, 1989 
-Maio, Marcos Chor. “Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30”. In: Pandolfi, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo, Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 239 e 239 
-Malamud, Samuel. Documentário. Contribuição judaica à memória da comunidade judaica brasileira. São Paulo, Imago, 1992 
-Milgram, Avraham. Os judeus do Vaticano. A tentativa de salvação de católicos – não-arianos – da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942) 
-Rattner, Henrique. Tradição e Ruptura (A comunidade judaica em São Paulo). São Paulo, Ática, 1977
- Wiznitzer, Arnold. Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, Edusp/Pioneira, 1960
 

A IMIGRAÇÃO JUDAICA NO BRASIL

A comunidade judaica tal qual a conhecemos hoje é fruto da imigração que se iniciou no século 19 e se intensificou no século 20, atingindo o seu auge entre os anos 1926 e 1942 quando mais de 50 mil judeus entraram no Brasil. No entanto, é possível identificar a presença judaica no Brasil desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral, em 1500, nas quais já figuravam cristãos-novos. Este tema será desenvolvido no capítulo 4.

No século 19, judeus do Marrocos chegaram à Amazônia e se instalam em Belém, cidade portuária, Manaus e nas cidades dos afluentes do rio Amazonas. Para a então capital do Império e, após 1822, da Republica, o Rio de Janeiro, vieram os judeus da Alsácia – Lorena, asquenazitas, e também alguns sefaraditas. Já no século 20, nas cidades de Recife e Salvador, na região Nordeste, formaram-se comunidades asquenazitas, com judeus oriundos da Europa Oriental.

No Sul, seja nas colônias do Barão Hirsch, em Porto Alegre e em Curitiba, e também nas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, se estabelecem comunidades asquenazitas com judeus vindos da Rússia, Bessarábia e Polônia.

A imigração sefaradita se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano. Aportaram por aqui os chamados “turcos”, entre eles os judeus, que se instalaram principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1930, foram os alemães que vieram, principalmente para Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em finais dos anos 1950, chegaram os húngaros e os egípcios, que se instalaram sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. Já nos anos 1970, uma leva de judeus libaneses veio principalmente de São Paulo, então centro econômico incontestável do país.

O Brasil atrai no século 21 judeus oriundos da América Latina, que deixam seus países em momentos de crise política ou econômica.
 

Características da imigração contemporânea

a) Asquenazitas e Sefaraditas

Não há um consenso sobre qual comunidade é maior:  asquenazitas ou sefaraditas. Do ponto de vista étnico-cultural, os judeus da Amazônia – sefaraditas - mantiveram sua identidade, devido principalmente ao seu isolamento geográfico. Isso, no entanto, vem mudando nas últimas décadas, com a chegada da ortodoxia asquenazita na região. No Sul, em Porto Alegre, a cultura asquenazita - tradicional ou liberal - sempre foi predominante, com presença minoritária sefaradita. A cultura asquenazita foi e é predominante também em outras capitais.

Nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, que atraíram o maior número de imigrantes e concentram as duas maiores comunidades do Brasil, talvez seja diferente. Sempre houve um equilíbrio numérico entre asquenazitas e sefaraditas. Por décadas, os dois grupos não se “misturavam”, e casamentos exogâmicos entre “gringos” e “turcos” eram malvistos, desestimulados, proibidos.  Passadas duas, três, quatro gerações, essas diferenças quase desapareceram, mas ainda não podemos dizer que a fronteira entre asquenazitas e sefaraditas deixou de existir.

b) Iidichistas e Sionistas

Para um grande número de imigrantes judeus, era imprescindível se reunir para além dos marcos nacional e regional: a participação nos grandes temas da política judaica era fundamental. Assim, surgiram organizações idichistas de esquerda em contraponto aos judeus sionistas. Entre as primeiras, destacamos a mais antiga delas, fundada no Rio de Janeiro: a Biblioteca Israelita Brasileira Scholem Aleichem que depois se tornou Associação Scholem Aleichem, ativa até hoje.  

Em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Instituto Cultural Israelita Brasileira – A Casa do Povo, abrigou o Teatro de Arte Israelita Brasileiro – TAIB, o Colégio Scholem Aleichem, o clubinho I.L. Peretz, dois corais, um em iídiche, outro em português, a administração da colônia de férias Kinderland, e a edição do jornal “Nossa Voz”. Seu auge foi nos anos 1960-1970, com uma retomada na década de 2010.

Em Porto Alegre o Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, estabelecido em 1985 e herdeiro do iidichismo, é muito ativo e uma importante referência cultural na cidade, mantendo um Departamento de Memória com publicações, biblioteca e um bem-organizado arquivo da imigração no Estado.

Os sionistas criaram em 1913, no Rio de Janeiro, a associação Tiferet Tzion e, nos anos seguintes, outras entidades em capitais como São Paulo, Belém do Pará e Curitiba. Em 1916, David José Perez fundou na então capital federal o jornal sionista A Columna. Em 1921, o movimento foi representado pela primeira vez em um Congresso Sionista Mundial.  Em novembro de 1922, na 1ª Conferência Territorial Sionista, realizada no Rio de Janeiro, foram propostas resoluções como a implantação de uma educação moderna nacional-hebraica e a criação de escolas judaicas no Brasil.

No final dos anos 1920, as instituições judaicas do Rio de Janeiros e São Paulo, assim como as de outros estados, já estavam se consolidando, e iidichistas e sionistas disputavam as diretorias das principais entidades comunitárias.

Em 1938, durante o Estado Novo (1937-45), período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, os sionistas foram proibidos de exercer suas atividades. Conseguiram, no entanto, prosseguir seu trabalho por meio de diferentes estratégias, não havendo assim, perseguição contra o movimento.

As divergências entre os iidichistas e sionistas se dissiparam com a criação do Estado de Israel, fato que representou um marco na história da comunidade judaica brasileira. A partir de então, a identidade comunitária é fortemente clivada pela questão do engajamento político e afirmação de lealdade ao Estado de Israel.

c) As Colônias do Barão Hirsch e Porto Alegre

As primeiras comunidades judaicas instaladas de forma organizada com recursos europeus no Brasil formaram-se no Estado do Rio Grande do Sul, no início do século 20, por intermédio da Jewish Colonization Association, em acordos com o governo do Estado. Imigrantes da Europa Oriental se estabeleceram em colônias agrícolas, a exemplo das colônias instaladas na Argentina a partir de 1893. 

Em 1904, enquanto às margens do Kineret se fundava o primeiro Kibutz, o Degania, nas terras frias do Sul do Brasil se estabelecia a primeira colônia gaúcha, Philippson, com 37 famílias originárias da Bessarábia. Ali foi criada, em 1906, a primeira escola judaica no Brasil na qual se ensinou o currículo oficial brasileiro. Em 1912, foi estabelecida a colônia Quatro Irmãos, que chegou a contar com mais de 350 famílias, divididas em quatro núcleos: Quatro Irmãos, Baroneza Clara, Barão Hirsch e Rio Padre.

Em cada um dos núcleos, funcionou uma escola que ensinava o currículo oficial e o judaico. Os imigrantes receberam lotes de 25 a 30 hectares, dependendo do número de membros da família. E ainda uma casa de madeira, instrumentos agrícolas, junta de bois, duas vacas, cavalo e sementes, que deveriam ser pagos à companhia num prazo de 10 a 15 anos. Em 1915, a população em Quatro Irmãos atingiu 1.600 pessoas.

Após anos de trabalho árduo, essas colônias foram abandonadas por falta de experiência agrícola, isolamento dos colonos, má qualidade das terras, falta de crédito, conflito de interesses com a JCA, falta de apoio governamental e, finalmente, por um levante militar ocorrido no Rio Grande do Sul, que devastou a região em 1923. Na década de 1920, a maioria dos colonos já havia se mudado para Porto Alegre ou criado pequenas comunidades no interior do Estado.

Hoje, no município em que foram estabelecidas as colônias, Santa Maria, muitos desses pioneiros são homenageados com nomes de rua. O antigo hospital foi tombado como patrimônio histórico e hoje abriga o Museu e Arquivo Histórico das Colônias. O Cemitério de Philippson foi recentemente restaurado e é periodicamente visitado por descendentes desses pioneiros.

Em Porto Alegre, a capital do estado, a comunidade se estabeleceu a partir dos anos 1910. Os imigrantes da Europa Oriental escolheram o bairro do Bom Fim, que passou a ter forte concentração judaica. Lá ocorreu a centralização da vida comunitária, por meio das sinagogas, escolas, sociedades culturais, grupos de jovens, teatro iídiche, bibliotecas, sociedades de amparo aos recém-chegados, clube, armazém, açougue e o primeiro jornal judaico do Brasil publicado em ídiche, Di Menshhait, criado em 1915.

O ishuv de Porto Alegre merece ainda destaque por uma luta emblemática. Em 1989, a cidade foi tomada por uma profusão de livros antissemitas, todos publicados pela editora “Revisão”, de Siegfried Ellwanger. Com relativa repercussão, foi criado em Porto Alegre o Movimento Popular Anti-Racismo - Mopar, aliança entre integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e ativistas judeus, para combater racismo e antissemitismo. O processo aberto pelo Mopar chegou ao Superior Tribunal Federal, que apreciou dois temas: 1) antissemitismo é racismo? 2) a liberdade de expressão abrange a divulgação de escritos de ódio a que se dedicava Ellwanger?  O STF concluiu que o antissemitismo é uma prática de racismo e que a liberdade de expressão não consagra o direito à incitação do racismo. Também apontou que a negação de fatos históricos incontroversos, como o Holocausto, lastreada na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui uma incitação à discriminação. Assim, entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.

Em 2004, o proprietário-editor da editora foi condenado por crime de racismo e antissemitismo. Foi a primeira condenação do antissemitismo pela mais alta corte de Justiça do país, estabelecendo uma importante jurisprudência. 
 

d) Rio de Janeiro

A segunda maior comunidade judaica do Brasil começou a se formar na metade do século 19. Com a proclamação da independência, em 1822, e a relativa liberdade religiosa instaurada pela Constituição de 1824, teve início a chegada de judeus à então capital do país. Antes, entre os séculos 16 e 17, já havia a presença de cristãos-novos no Rio de Janeiro - e também perseguição por parte da Inquisição.

A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.

É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida, da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.

Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam russo, polonês e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. 

Não muito longe dali, na rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.

Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis.

Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.

O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.

Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.

Atualmente, com 22 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.


e) São Paulo

No início do século 20, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a receberem a quase totalidade dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, entre eles os judeus. A capital paulista atraiu muito mais do que qualquer outra capital brasileira, por motivos econômicos: as atividades ligadas ao café, e ao Porto de Santos, as atividades comerciais e financeiras e a incipiente indústria.

Todos estes fatores atraíram os imigrantes. A imigração expressiva do século 20 se iniciou na década de 1910, com judeus oriundos da Rússia, Polônia, Letônia, Lituânia, Bessarábia. Aportavam em Santos e subiam a serra de trem, desembarcando na histórica Estação da Luz. O Bairro de Bom Retiro é logo ali, e lá já estavam imigrantes italianos e espanhóis. A eles se juntaram muito outros até que o Bairro do Bom Retiro se tornasse o Bairro Judaico de São Paulo.

A partir dos anos 1920, chegaram os judeus Sefaraditas e se instalam no tradicional bairro Mooca, junto com os operários italianos e espanhóis. Lá, fundaram duas sinagogas: a dos oriundos de Sidon e a dos originários de Beirute. Muitos chegaram com muito pouco para recomeçar a vida. Outros chegaram com posses e puderam ajudar. A rede de solidariedade ajudar na busca de trabalho, moradia, roupa, pelas famílias ou via associações beneficentes.

Assim como nas outras capitais, a coletividade paulista se organizou em sociedades de assistências de auxílio. Logo em 1915 foi fundada a Ezra, em seguida a Linat Tzedek, o Lar das Crianças, a Gota de Leite. Ao longo dos anos estas instituições foram se unindo, até que em 1976 formou-se a Unibes - União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social, já com um centenário de atividade. Sua sede ainda é no Bom Retiro e entre seus assistidos há grupos de idosos da coletividade judaica. Mas há algumas décadas seu foco principal é o atendimento à população não judaica carente do entorno.

Os judeus se espalharam por bairros centrais e mais nobres da cidade, e precisaram de uma nova sinagoga; o Templo Beth El, foi construído no período de 1927-1932, em estilo bizantino, seguia o rito asquenazita mas estava aberta e aceitava rabinos das mais diversas proveniências. Teve seu auge até os anos 1960, quando em no início dos anos 2000 foi assinado o acordo para a criação do Museu Judaico de São Paulo que deve ser o maior da América Latina. O museu deverá também integrar o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro que tem o compromisso de preservar a memória da presença judaica no Brasil.

Até as décadas de 1950-60, a vida judaica de São Paulo se concentrava no bairro do Bom Retiro. A comunidade asquenazita, inclusive a ortodoxa, vivia e trabalhava lá. Os movimentos juvenis Dror, Shomer Hatzair, Ichud habonim, escolas sionistas, ortodoxa e ídichista, Chevra Kadisha, todas as associações beneficentes, o escritório da Organização Sionista Unificada, a cooperativa de crédito popular e incontáveis sinagogas se espalhavam pelas ruas do bairro.

Os judeus sírios e libaneses, ou “turcos”, que estabeleceram seus negócios na região da rua 25 de Março, conviveram ali com seus conterrâneos cristãos por longas décadas. Hoje, os chineses os substituíram, assim como, no Bom Retiro, os coreanos tomaram o lugar dos poloneses, russos e lituanos.

Para reforçar a colônia sírio-libanesa, chegaram os judeus de Aleppo, sob a liderança de Jacob Elie Safra, e fundaram em 1964 a Congregação Sefaradi Paulista. Ele faleceu antes do termino da obra, e a Sinagoga ganhou o nome de Beit Yaacov. Esse foi apenas o início de um projeto religioso, educativo e cultural que consiste hoje em duas sinagogas, um corpo de rabinos encabeçados pelo Rabino David Weitman (asquenazita do movimento Lubávitch), o movimento juvenil Netzach, a revista Morashá, o Instituto Morashá de Cultura e a Escola Beit Yaacov, a única escola judaica bilíngue do Brasil, que se destaca no país por sua qualidade de ensino.

Higienópolis é hoje o bairro com maior população judaica. Nos anos 1930/40, era ocupado pelos barões do café, hoje vivem lá além dos herdeiros da elite paulista os judeus. Primeiramente vieram os sefaraditas, depois os asquenazitas e, nas duas últimas décadas, os ortodoxos nas suas mais diversas nacionalidades. O bairro dispõe de 11 sinagogas, uma yeshivá, cinco escolas judaicas, restaurantes, inclusive um de culinária japonesa, serviços de catering, açougues, padaria e mercearias de produtos kasher, uma editora e livraria judaica. Encontramos em Higienópolis a maior variedade de etnias judaicas em São Paulo. A vida judaica no bairro de Higienópolis é tão intensa que nos últimos anos o rabinato do distrito estabeleceu ali um eruv.

O crescimento econômico da cidade proporcionou o fortalecendo das instituições judaicas e a criação de novas. O Hospital Israelita Albert Einstein, fundado em 1955, tornou-se referência e é hoje o hospital privado mais moderno da América Latina. Além disso, possui um programa de assistência social em uma favela próxima.

Em 1969, a Universidade de São Paulo instituiu o Centro de Estudos Judaicos, uma iniciativa da Federação Israelita do Estado de São Paulo e de uma comissão de professores. Ele passou a funcionar como centro complementar do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Seu objetivo: divulgar o legado da cultura e da ética judaica no meio acadêmico e na sociedade. Neste departamento, foi regulamentado em 1989 o Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica.

Em dois séculos de imigração, o judeu encontrou seu lugar, aprendeu a língua, construiu um lar para sua família, progrediu economicamente, se integrou à cultura brasileira e, de geração em geração, incorporou as causas e as questões brasileiras. Nos anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), dez militantes judeus foram mortos pela repressão. O caso mais emblemático é o de Vladimir Herzog (Iugoslávia 1937- São Paulo 1975). Diretor de telejornalismo da TV Cultura – a rede pública do Estado de São Paulo - era militante comunista. Vlado, como era chamado pelos brasileiros, se apresentou para um interrogatório, foi torturado e morto nas dependências do Exército. A versão oficial: suicídio por enforcamento. No entanto, uma foto deixava claro que ele não havia se enforcado.

O funcionário da Chevra, sob as ordens do rabino Henry Sobel, insistiu com militares para examinar o corpo de Vlado e verificou que ele tinha muitas marcas de hematoma, indicando que havia sido violentamente torturado: a farsa do suicídio caía por terra.

Em outubro de 1975, Sobel, um jovem rabino recém-chegado dos Estados Unidos e defensor dos direitos humanos, recusou-se a enterrar Vladimir Herzog na ala dos suicidas. Por sua insistência e intrometimento, foi ameaçado pelos generais. Buscou e teve o apoio do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Ali se iniciou uma parceria que duraria 40 anos.

Dias após o enterro, um ato ecumênico foi organizado na Catedral da Sé, com líderes religiosos judeus, católicos, protestantes e umbandistas. Estavam presentes dentro da Catedral familiares e amigos, políticos e sindicalistas. Do lado de fora, a Praça da Sé lotou, apesar da censura da imprensa, e uma multidão silenciosa e apreensiva se aglomerou no que foi chamado por historiadores e especialistas como o início do processo de redemocratização brasileira. A ditadura ainda demoraria 10 anos para acabar.

O rabino Sobel (Lisboa, 1944) sucedeu o rabino Dr. Fritz Pinkuss na presidência da Congregação Israelita Paulista, onde ficou até 2007. Foi um notável porta-voz da comunidade judaica e estabeleceu diálogo com os cristãos e outras religiões. Sua atuação levou-o a ser considerado a maior liderança judaica do Brasil, no período entre 1970-2010.


f) Judeus na Amazônia - Belém e Manaus

No início do século 19, a Inglaterra fazia sua Revolução Industrial, e Napoleão invadia a Europa difundindo os valores da Revolução Francesa. A Família Real Portuguesa, diante da invasão napoleônica, fugiu em 1808 para o Rio de Janeiro e abriu para os ingleses as fronteiras comerciais. Éramos então uma sociedade agrária e escravocrata.

Em 1821, o Tribunal do Santo Oficio foi extinto e a liberdade de culto permitida, para atender soldados e comerciantes ingleses, protestantes. Isso serviu de atrativo para os judeus do Marrocos tentarem uma nova vida no Brasil.

Uma primeira leva de imigrantes veio em 1810. O fato de ser uma cidade portuária foi determinante para que Belém crescesse como a primeira comunidade judaica da Amazônia. Os imigrantes eram principalmente homens solteiros, que trabalharam no comércio nas cidades ribeirinhas dos afluentes do rio Amazonas: os regatões, como são chamados no Norte do Brasil, ou mascates, como são chamados no Sul e no Nordeste.

Eles logo precisaram de reforços e chamaram seus conterrâneos, rapazes que haviam acabado de fazer o bar mitzvá, e em seguida chamavam suas esposas, ou suas prometidas. Nesse período, estima-se que 300 famílias se instalaram na Amazônia.

Em 1824, a comunidade fundou a primeira sinagoga de Belém, Eshel Avraham e, em 1835, a Shaar Ha Shamaim, dando forma oficial à comunidade da capital e aos inúmeros núcleos judaicos espalhados nas localidades interioranas. Essas duas sinagogas se mantêm ativas ininterruptamente até os dias de hoje.

A partir da segunda metade do século 19, a região prosperou com o ciclo da Borracha (1860-1910), e houve um aumento do fluxo migratório de judeus marroquinos. Belém e Manaus tomaram ares de metrópoles, com construções de grandes edifícios em estilo Art - Nouveau como o Teatro da Paz, em Manaus e o Mercado Municipal Ver-o-Peso, em Belém. Nesta segunda fase da imigração, estima-se que mais 700 famílias aportaram na região.

O isolamento geográfico, aliado à homogeneidade dos marroquinos, a pouca influência de outros grupos judaicos e as trocas culturais com a população local são alguns dos fatores que fazem do judaísmo da Amazônia algo diferenciado dentro do judaísmo do Brasil e da diáspora como um todo. Os costumes e tradições do Marrocos ainda se mantêm, mesmo com a chegada de judeus asquenazitas no período entre-guerras. Estes se adequaram ao estilo marroquino dos judeus da Amazônia. 

A comunidade de Belém chega ao século 21 com 1300 membros, lutando para manter ativas suas instituições, clubes, sinagogas, movimentos juvenis. À frente das duas sinagogas estão rabinos formados na linha ortodoxa, porém filhos da própria comunidade.  

g) Presença judaica no Brasil Colônia - Recife

É possível identificar a presença judaica no Brasil desde seu descobrimento, em 1500. Nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, já havia cristãos-novos. Em Portugal, durante o período de expansão ultramarina iniciado no século 15, havia judeus ligados às ciências e às artes da navegação. Os primeiros judeus nestas terras foram os expulsos de Portugal em 1496, que escolheram aqui seu refúgio, mesmo tendo passado pela conversão forçada, pois acreditavam que aqui estariam a salvo das perseguições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

De fato, o Tribunal da Inquisição não se instalou no Brasil Colônia de forma permanente, mas enviou “visitações”; estas perseguiam o que se considerava práticas “judaizantes”. As ações da Inquisição no Brasil foram menos sistemáticas e frequentes do que em Portugal, onde a instituição vigorou até 1821.

No período entre 1500 a 1822, o Brasil foi o destino de milhares de cristãos-novos que, no entanto, não constituíram comunidades organizadas. Eles se estabeleceram no Nordeste, nos estados de Pernambuco e Bahia, e eram sobretudo, senhores de engenhos de cana-de-açúcar, comerciantes ou exportadores de açúcar.

Em 1630, O Brasil foi invadido pelos holandeses, e o conde Mauricio de Nassau começou a construção do que seria a atual cidade de Recife, capital de Pernambuco. A Companhia das Índias Orientais, que explorou os mais de 120 engenhos de açúcar existentes em Pernambuco, era integrada por muitos judeus holandeses. O encontro destes com os cristãos-novos de Pernambuco, em nova realidade de liberdade religiosa proporcionada pelo governo holandês, fez com que surgisse em Recife a primeira e maior comunidade judaica organizada das Américas.

No período de domínio holandês, entre 1630 e 1654, construíram a primeira sinagoga do Novo Mundo, a Kahal Zur Israel, e também a segunda, a Maguen Abraham, cujo primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), que chegou ao Recife em 1641 e lá ficou por 13 anos. 

Durante o governo de Nassau, Recife foi considerada a mais cosmopolita cidade das Américas. Em 1654, foi reconquistada pelos portugueses, e a liberdade culto foi revogada. Alguns judeus holandeses partiram para a América do Norte e ajudaram a fundar Nova Amsterdã, atual Nova York.

A atual comunidade judaica do Recife se formou no século 20, com imigrantes vindos da Europa Oriental, majoritariamente asquenazitas. Fundaram sua primeira sinagoga em 1926, ativa até hoje, e uma escola, a Idishe Schul. Nos anos 1930, os sefaraditas se somaram à comunidade existente e inauguram sua própria sinagoga, que funcionou até a década de 1960.

Em 1992, foi fundado o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco no edifício onde funcionou a antiga sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, na antiga “Rua dos Judeus”. A sinagoga foi restaurada e, em 18 de março de 2002, reinaugurada. A data de 18 de março foi escolhida para ser o Dia Nacional da Imigração Judaica, em lei federal sancionada em 2009.